in loco - cobertura dos festivais
Teus Olhos Meus, de Caio Sóh (Brasil, 2011)
por Raul Arthuso

Sob a superfície

Teus Olhos Meus se quer um filme de crise. Primeiro, um quarentão, Otávio (Remo Rocha), aparece aos prantos de desespero dentro de um ônibus; depois, um jovem, Gil (Emílio Dantas), briga com o tio que o criou e foge de casa. O encontro dos dois protagonistas, então, é resultado de um momento de ruptura: os dois não sabem mais seu lugar no mundo. A busca por um lugar no mundo parece também a do filme, em certo sentido. Há, por um lado, um forte desejo de sujar o filme com a câmera na mão frenética que desenquadra, perde seu centro, tenta achar seu foco, mas parece em grande parte perdida - algo realçado pela montagem seca e abrupta das seqüências, que nunca chegam a seu apogeu, cortadas sempre antes deste, como uma interrupção, à procura de um tempo, de um ritmo, de um sentido.

Em outra instância, há a tentativa de poetização da trajetória dos protagonistas: Otávio e Gil estão a todo momento refletindo poeticamente sobre sua situação, declamando cada fala em todas as cenas como uma novíssima poesia de uma alma artística. Porém, há uma certa cegueira: essa vontade de realizar algo rude, brusco, direto, misturado a um estudo de duas almas artísticas “diferenciadas” tenta esconder, no fundo, a superficialidade da construção de Teus Olhos Meus. Pois suas personagens são arquétipos: o jovem músico revoltado, criado pela tia com um marido que não gosta dele e judia dela; o adulto sábio que descobre no mais jovem sua vitalidade e será, em retribuição, seu anjo salvador. As falas, apesar de seu impulso poético, são exposições diretas dos sentimentos e das intenções das personagens, apenas floreadas com uma estrutura de construção frasal e escolha de palavras que se pretendem líricas e complexas.

A descoberta da homossexualidade de Gil parece um bom exemplar das construções do filme. O verdadeiro momento de concretização de seu relacionamento com Otávio se dá fora de quadro – Gil está na sala, Otávio diz que vai dormir e sai de quadro; corte para a manhã seguinte os dois acordando abraçados. É no diálogo que se estabelece a dúvida do jovem: Gil diz não saber se ele é o mesmo cara, já que o Gil que ele conhece não faria o que ele fez; mas ele é o mesmo, logo ele faria aquilo. Algumas cenas depois, mais uma vez no diálogo, Gil diz sentir uma “felicidade estranha”.

Teus Olhos Meus, no fundo, constrói sentido a partir da simples exposição das intenções e sensações, a partir da fala de personagens que agem arquetipicamente. Somado isso à trilha musical pop que entra quase como música tema de cada personagem, pode-se inferir se Teus Olhos Meus não faz, sob a capa de um filme artístico e complexo, opções formais simplistas e falsamente poéticas, impostas por uma aparente sinceridade quanto ao tratamento do tema. A questão é como, por baixo dessa superfície, o filme se revela involuntariamente um dramalhão, onde os sentimentos “sinceros” são artificiais, pois sem humanidade. Teus Olhos Meus é um exemplo de filme buscando a chancela de arte à força.

Novembro de 2011

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