textículos - cinema brasileiro
2008 3 Efes, de Carlos Gerbase (Brasil,
2007) por Eduardo Valente 3
Efes foi pensado no seu lançamento sob o signo
da renovação: primeira ficção brasileira lançada simultaneamente em cinema, DVD
e internet. Até que ponto atingiu algum resultado significativo para além do pioneirismo
como valor em si, não cabe a nós julgar. Fato é que, quase um ano depois, assistir
o filme no cinema cria uma curiosa sensação de contra-senso pois não dá para entender,
de fato, o que um filme como este tem a ganhar sendo exibido neste formato. Se
de fato Gerbase (assim como seu parceiro de produtora Jorge Furtado) nunca foram
conhecidos exatamente pelo cuidado como encenadores, a fotografia em digital deste
3 Efes parece especialmente infeliz, marcada por uma iluminação e decupagem
de matriz televisiva, compondo um realismo de registro anêmico e, francamente,
feio. Parece algo para ser visto, talvez, no celular ou no máximo na telinha do
computador, mas jamais numa tela grande que o torna tão abertamente precário.
No entanto, mesmo se o tomarmos como exemplar “não-estético”, ainda assim 3
Efes patina na obviedade, com seu roteiro multiplot pautado pelas representações
mais banais do que seria uma insatisfação sexual e existencial contemporâneas
(a menina oprimida trabalha como operadora de telemarketing, o casal de classe
média vive entre a frieza e a mentira, o publicitário-chefe é um calhorda, etc).
A partir daí, Gerbase e seu elenco não conseguem dar corpo de fato nem à comicidade
nem ao drama, ficando num meio-termo tornado ainda mais desagradável pela sua
forma pretensiosa, pautada por um discurso científico fake que, se nos
fizer relembrar o Meu Tio da América de Resnais, parecerá ainda mais descartável.
Castelar
e Nelson Dantas no País dos Generais, de Carlos Prates (Brasil, 2007) por
Eduardo Valente Neste
seu primeiro trabalho em longa-metragem em mais de vinte anos, Prates realiza
um filme de surpreendente modéstia, e igual emotividade. De fato, se Castelar
e Nelson Dantas pudesse ser descrito em termos de meios de comunicação escrita,
ele seria a combinação entre uma carta de amor, um livro de memórias, um poema
e um inventário. Ao olhar para o passado do cinema mineiro no qual participou
(ou seja, entre as décadas de 60 e 80), Prates (o Castelar do título) parece procurar
vestígios daquilo que ele tinha de mais especial, mas também de mais precário,
e embora seu discurso não se paute exatamente nem pela idealização nem pela crítica,
o tom resultante é de uma nostalgia dolorida. A nostalgia se mostra mais do que
justificada pelas inúmeras cenas que ele exibe, principalmente (mas não somente)
dos seus próprios filmes, como Crioulo Doido, Perdida, Cabaret
Mineiro ou Minas, Texas. A dor se escancara pelo fato de que aquela
mistura de cinema popular com uma poesia extremamente lúdica e muitas vezes desabusada
e inesperada parece hoje quase como um sonho distante, inatingível, num cinema
pautado muito mais pelo desejo comercial por um lado ou por uma autoralidade personalista
do outro. Por isso mesmo, o filme tem um quê de murmúrio, de desejo de relembrar
um caminho que se vislumbrou possível num determinado momento, sem deixar muitos
herdeiros visíveis. Ao mesmo tempo que há algo no filme de profundamente idiossincrático
(pela recusa da forma documental mais “tradicional”, que explique os fatos e pessoas),
quando assistimos os trechos dos filmes de Prates ao longo da sua duração, entendemos
que não poderia mesmo ser de outra forma.
O
Demoninho de Olhos Pretos, de Haroldo Marinho Barbosa (Brasil, 2008) por
Eduardo Valente Se
o mote armado da passagem de mão em mão ao longo de quase 100 anos
de um exemplar do livro de Machado de Assis até rende algumas boas idéias
na relação dos leitores com o seu entorno e os contos (caso, principalmente,
da segunda narrativa e, mesmo que aos trancos e barrancos de encenação,
da terceira), infelizmente Demoninho de Olhos Pretos não se sustenta
na sua duração, mesmo com alguns belos achados nas atrizes que interpretam
os objetos de desejo de um Nelson de Freitas até que cativante mas hiperexplorado.
Fato é que até seria grande o desejo de simpatizar com um filme
que, em pleno 2008, deixa entrar no seu corte final uma cena passada no começo
do século XX na qual vemos ao fundo uma pessoa da equipe de filmagem passar
em cena. No entanto, se sinais de um certo desleixo técnico como este ou
a cópia exibida nos cinemas numa finalização em vídeo
digital grosseira não são defeitos que nos assustem de todo, pior
é a falta de qualquer idéia mínima de colocação
das histórias em cena que não passe pela mais banal e travada ilustração
daquilo que se narra nos contos originais de Machado. Infelizmente, quando o avô
da primeira história abre o filme dizendo que "o meu tempo já
passou", isso acaba servindo de alerta para a visão de cinema de ficção
que Haroldo Marinho tenta, mas não consegue desenvolver no filme.
Iluminados, de Cristina Leal (Brasil, 2008) por
Eduardo Valente Há
uma idéia interessante em Iluminados: pedir a seis grandes fotógrafos do
cinema brasileiro (entre eles o desde então falecido Mario Carneiro, que vemos
na foto ao lado) que proponham iluminações e decupagem para uma mesma proposta
de cena realizada num estúdio. A estrutura do filme, então, passa a ser esta:
acompanhar como cada um deles realiza esta tarefa, ao mesmo tempo em que se intercala
este processo com depoimentos dos seis para a câmera, falando de suas carreiras
e das imagens que mais os marcaram no cinema brasileiro (e mundial também). Claro
que, esteticamente, o exercício em si é o forte do filme, com cada fotógrafo revelando
um olhar e forma de trabalhar, mas talvez o que mais marque o espectador sejam
mesmo as inúmeras cenas pinçadas da história do cinema brasileiro, que acabam
nos chamando a atenção para aspectos da história das imagens deste. No entanto,
nem um nem outro conseguem mudar a sensação de que estamos vendo no cinema algo
que está no suporte errado: Iluminados parece que funcionaria melhor como
uma série semanal de TV (no Canal Brasil, claro, pois nenhum outro canal se interessaria
pelo tema), principalmente por quebrar com a aleatoriedade que sentimos na escolha
dos seis fotógrafos retratados (o filme nunca se pronuncia sobre esta escolha),
uma vez que, como a exibição no começo do filme de um sem número de fotografias
paradas de rostos de fotógrafos trabalhando deixa bem claro, poderíamos ter várias
outras análises combinatórias. A sensação é que o filme não tem em si um discurso
para além do desejo de deixar os fotógrafos falarem um pouco, exibir cenas do
seu trabalho e do cinema nacional e montar a tal cena. Tudo ótimo, mas que poderia
ser reproduzido na TV com mais espectadores e com mais fotógrafos, atingindo resultados
mais potentes.
Olho de Boi, de
Hermano Penna (Brasil, 2007) por Eduardo Valente
O cinema é uma arte misteriosa. Tomemos como exemplo
este Olho de Boi: Hermano Penna (diretor, entre outros, do fortíssimo Sargento
Getúlio) propõe não apenas um radical mergulho no formato do filme B.O. (baixo
orçamento) como não se curva nem a um registro naturalista mais banal, nem a uma
narrativa que se paute pelo que podemos considerar uma dramaturgia mais realista.
De fato, seu Olho de Boi é uma indisfarçada tentativa de levar a tragédia
grega para o interior de São Paulo, de fazer de seus dois personagens principais
arquétipos de toda uma tradição que remonta, principalmente, ao formato teatral.
Apenas dois personagens em cena quase o tempo todo (há mais dois em breves, mas
importantes, participações), praticamente apenas duas locações: faz sentido falarmos
em teatro sim, mas
Penna e seu fotógrafo (Uli Burtin) se esforçam para dar ao filme um olhar unicamente
cinematográfico, seja pelo jogo com a luz, seja principalmente pelo constante
(até demais) uso de enquadramentos e raccords estranhos, que nos lembram
da presença de uma câmera, de um olhar sobre a cena. Por todo o acima descrito,
Olho de Boi é um filme que nos interessa muito, pois ambiciona bastante.
Mas, aí entra em cena o tal mistério mencionado no começo: porque por mais que
cineasta e fotógrafo se preocupem em achar uma decupagem viva e incomum, por mais
que os atores se esforcem em dar a seus personagens uma verdade toda deles (algo
difícil não só pelo aspecto trágico quanto pelo uso do sotaque interiorano radical),
por mais que a trilha sonora construa seus climas (de novo, talvez um pouco demais),
por mais que a direção de arte se esmere em dar força e presença ao espaço da
igreja onde o filme se instaura no começo, ainda assim há algo na tela que não
se completa entre projeto e resultado final. Ao flertar com a tragédia, Olho de
Boi ousa uma aposta arriscada, em que o pouco é insuficiente, mas o muito também
pode ser excessivo. Achar este tom preciso é, então, o principal – e algo que
o filme não consegue de fato atingir. Há assim, talvez acima de tudo, a constatação
de que quanto maior a ambição artística do projeto, mais inclemente é a sutileza
deste ente inefável que se chama arte cinematográfica. Remissão,
de Silvio Coutinho (Brasil, 2006) por Eduardo
Valente A primeira questão aqui
é o latente amadorismo, mesmo tendo em vista o claro empenho dos envolvidos
no projeto. Desde a insuficiência técnica (que começa com
uma fotografia absolutamente descompensada na sua captação de luz,
e termina com um transfer de digital para película que resulta numa
das imagens mais feias que vimos no cinema brasileiro recente - que em algumas
salas não será visto, pois inteligentemente se usará a projeção
digital), passando por um elenco às raias do constrangedor (com variações
entre atores quase straubianos, pelo completo anti-naturalismo e mecanicismo da
leitura das frases do roteiro; e
outros exagerados e fora de tom), uma dramaturgia completamente capenga (o filme
todo se resolve em falas e mais falas, onde personagens explicam tintim por tintim
as personalidades uns dos outros, e as situações vividas e suas
interpretações), e finalmente terminando com uma concepção
artística absolutamente fora de contato com qualquer contemporaneidade
de produção audiovisual, remetendo às telenovelas do SBT
dos anos 80/90 (com destaque para a incessante e exagerada trilha sonora e os
cortes abruptos da edição). São comentários que parecem
duros com o filme, mas infelizmente relatam o que foi visto na tela. Remissão,
que tem mais cara de um exercício, de um aprendizado do que um produto
finalizado e preparado para um mercado audiovisual de hoje. Infelizmente suas
chances de chegarem ao público nos cinemas são rarefeitas, já
no nascedouro do projeto, completamente desvinculado de qualquer linha de comunicação
atualmente existente. Infelizmente não podemos dar continuidade a um ciclo
(que nada tem de virtuoso) de condescendência, que não faz bem nenhum
nem a Coutinho e seus colaboradores. A eles, nosso desejo de ver outros trabalhos
no futuro, mas a indicação para que consigam montar estrutura técnica/artística
mais elaborada, ou adequem seu processo de produção ao circuito
exibidor seguinte.
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