textículos - cinema brasileiro
2011
A Antropóloga, de
Zeca Pires (Brasil, 2010)
por Filipe Furtado
Este
segundo longa de Zeca Pires (que antes cometera Procuradas)
ilustra muito bem como nenhum gênero cinematográfico expõe tanto
seu cineasta quanto o suspense/horror. Não há texto, atores ou
montador que possam resgatar um filme da falta de habilidade do
seu realizador, e logo na primeira tentativa canhestra de gerar
tensão, A Antropóloga deixa Pires totalmente nu. O que
se segue são algumas das mais constrangedoras tentativas de estabelecer
climas de todo o cinema brasileiro. Movimentos de câmera, trilha
sonora, disposição de atores no plano, tudo parece conspirar contra
a capacidade do filme de envolver o espectador. Há algum potencial
na comunidade de imigrantes dos Açores em Santa Catarina onde
a ação do filme é situada, mas mesmo isto é sabotado pelo tom
um tanto exótico/genérico com que A Antropóloga envolve
as lendas de bruxaria que movem a trama e por vezes sugerem um
análogo com alguma produção do gênero onde o protagonista estrangeiro
termina em alguma ilhota caribenha e se envolve com as crendices
locais. A Antropóloga não é somente um filme fragilíssimo,
mas caso típico da produção de gênero que consegue ao mesmo tempo
não acreditar na força da sua própria dramaturgia e se levar muito
a sério. Em suma, o pior dos mundos.
As
Doze Estrelas, de Luiz Alberto Pereira (Brasil, 2010)
por Paulo Santos Lima
Herculano
(Leonardo Brício) recebe a visita do Destino (Paulo Betti), este
lhe aconselhando como lidar com um trabalho no qual terá de entrevistar
12 atrizes (Lívia Guerra, Paula Franco, Mylla Christie, Carla
Regina, Leona Cavalli, Rosane Mulholland, Martha Meola etc) de
signos diferentes, para uma telenovela. Com cada uma, ele terá
uma experiência sui generis, a ver com cada um dos signos
astrológicos – ou seja, encontrará duas geminianas, uma ariana
doida, uma leonina altiva etc., todas representando o que há de
mais óbvio e conhecido sobre o assunto. Nem vale a pena discorrer
mais sobre o enredo. Estamos num tipo de auto-ajuda/cômico/trash/chanchadesca,
que, na conclusão, soa mística e medieval. Esta é a ponta de um
iceberg de problemas: más escolhas, um aparente oportunismo, mão
ruim para a escrita do roteiro, visão de mundo simplória. O diretor
usa atores renomados, coloca nuas algumas atrizes de corpo bem
delineado, vai a um tema de apelo popular, opta pela raridade
de uma comédia mais escrachada e direta. É uma questão de gosto
pessoal, mas não há como deixar de lado a medida do que e como
tem de ser mostrado num filme. Homem transformando-se em gato
preto, deixando pétalas num labirinto de isopor, correndo seminu,
virando menino... enfim, As Doze Estrelas é brega, pois
é cafona também aquilo que escorrega pelo excesso, pela reiteração
hemorrágica, pelo adorno. A má medida, que está, inclusive, na
escolha do lugar onde se coloca a câmera, na falta de senso crítico
para achar que um roteiro ou a preparação de um ator está bom...
um grau torto para observar as coisas, das que são filmadas às
que aparecem reproduzidas na tela. Um filme morto.
Inversão, de
Edu Felistoque (Brasil, 2009)
por Filipe Furtado
Em
conjunto com alguns outros filmes recenes (Bellini e o Demônio
ou Sem Fio sendo bons exemplos), Inversão
é um exemplo de um cinema brasileiro que, na busca de tentar
chegar ao que seria um cinema moderno e contemporâneo, termina
incapaz de produzir um único plano de cinema. Não há uma única
imagem articulada em Inversão: dois planos que construam
um sentido, um posicionamento de câmera que sugira que se gastou
mais que alguns segundos se considerando como filmar determinada
seqüência. Basta dizer que o mais próximo de um pensamento estético
em Inversão é tentar sugerir uma doença generalizada através
de filmar mais da metade do filme com um filtro verde-vômito.
Fora isso, estamos diante de um típico exemplar de um cinema completamente
incapaz de existir simplesmente como tal, com sua trama de gênero
seqüestrada por uma constante tentativa de ser mais do que isso.
Não deixa de ser impressionante a tentativa do filme de se colar
nos ataques do PCC em busca de significância, a despeito de que
sua única função no filme seja justificar o casting de
Marisol Ribeiro como a menos crível delegada da história do cinema.
Nesse tipo de vampirismo da realidade extra-tela, o projeto de
Felistoque deixa de ser só incompetente, e se torna um tanto torpe.
Jardim das Folhas Sagradas, de Pola
Ribeiro (Brasil, 2010)
por Eduardo Valente
Lá
pelas tantas em Jardim das Folhas Sagradas, um dos personagens
ri do andamento da história dizendo que “parece até novela antiga”.
O problema para o filme de Pola Ribeiro é que, mesmo demonstrando
nessa frase um certo grau de auto-ironia (sempre saudável) quanto
ao seu desenvolvimento narrativo, ele parece nunca se dar conta
que é na maioria dos outros quesitos, formais e estéticos, que
o filme termina, sim, parecendo uma novela antiga. Isso se deve
principalmente, num primeiro olhar, à performance do elenco, que
cria involuntariamente um distanciamento brechtiano com
as cenas (curioso que a grande exceção seja a maluca religiosa,
que empresta ao filme um respiro delicioso – justo ela, que devia
ser uma antagonista insana, ganha nossa simpatia por parecer trazer
alguma vida dentro de si). Mas não é difícil perceber que a questão
é anterior, e que boa parte dos problemas de atuação se deve de
fato ao didatismo extremo do texto, que a todo momento pára a
ação para “refletir” sobre ecologia ou intolerância religiosa,
ou para nos ensinar algo sobre os diferentes aspectos do candomblé.
A verdade é que Jardim das Folhas Sagradas é constantemente
sufocado pelo escopo quase absurdo de suas boas intenções, engessado
totalmente por todas as suas “questões” que, se certamente no
papel deviam compor um projeto com justificativas e objetivos
belíssimos (o que se percebe pela quantidade de editais ganhos,
notável nas inúmeras logomarcas do começo da projeção), na tela
do cinema impedem qualquer relação emocional com o material. É
a transposição da máxima de Muricy Ramalho para o mundo do audiovisual:
“a câmera pune”.
Vips
- Histórias Reais de um Mentiroso,
de Mariana Caltabiano (Brasil, 2010)
por Eduardo Valente
Nas
entrevistas e apresentações que tem feito do seu filme VIPs,
ficção baseada no livro que deu origem a este documentário aqui,
o diretor Toniko Melo curiosamente diz que “essa história só podia
ser uma ficção”. A julgar por Histórias Reais de um Mentiroso,
talvez ele tenha razão. Porque depois dos primeiros cinco minutos,
em que a diretora coloca em jogo toda uma série de ferramentas
instigantes (como animação, música irônica, falsas imagens de
arquivo) para brincar com a idéia de fabulação, que é intrínseca
ao personagem de Marcelo (protagonista do documentário), o filme
parece se esvaziar de idéias realmente potentes como cinema, e
passa praticamente a fazer uma longuíssima reportagem, ouvindo
principalmente a voz dele. Claro, entendemos que não dá para saber
se essas histórias são reais ou não, mas ainda assim essa constatação
dura somente um certo tempo como de real interesse. A tentativa
da cineasta de se inserir como personagem, limitada como é a praticamente
só o começo e uma “reviravolta” final também parece subutilizada
demais para realmente interessar. O que sobra de real força são
as imagens originais de Marcelo “atuando”, seja no programa Amaury
Jr, seja no caso da rebelião de cadeia. São momentos de brilho
no que acaba passando como uma longa conversa com um pescador
– e aí talvez fosse mais interessante explorar mais longamente
este discurso, e não ficar intervindo e ilustrando ele o tempo
todo.
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