textículos - edição
especial mostra de sp 2008 32A (idem),
de Marion Quinn (Irlanda/Alemanha, 2007) por Eduardo
Valente Apenas
mais um filme de rito de passagem sobre meninas em plena descoberta da sexualidade
e da necessidade de começar a definir seus papéis na vida? Sim,
e não - embora, de fato, predominantemente sim. No campo da ficção,
o que talvez este 32A tenha de diferencial, que até consegue lhe
dar alguma graça em momentos, é que, embora aparentemente se estruture
em torno da relação das meninas com os meninos (e pais), de fato
seu norte é a amizade entre meninas, principalmente a partir do rompimento
de uma delas. Isso dá ao filme uma certa amargura no retrato da adolescência
como uma época bastante capaz de enormes crueldades, até mesmo frente
a aqueles que amamos. De outro lado, é curioso notar como a localização
do filme no ano de 1979 explicita que se trata, antes de tudo, de um álbum
de memórias altamente pessoal de sua diretora - uma vez que o ano em si
parece pouco importante para a narrativa. Esta forma de pensar a ficção
como álbum de fotografia pessoal revela-se incrivelmente limitadora, porque
não parece perceber, assim como aquela pessoa que cisma em mostrar todas
as fotos de uma viagem, que partilhar a experiência é menos importante
(além de impossível) do que permitir uma nova experiência
a partir da sua. Não conseguir dar este salto é o grante problema
de 32A.
Os Adultos (Les grands
personnes), de Anna Novion (França, 2008) por Eduardo
Valente Jeanne
vai completar 17 anos em breve, e passa por um rito de passagem quando vai com
seu pai em férias para uma Suécia cheia de lindos loiros e loiras. Se essa passagem
para a vida adulta de uma jovem francesa (cujo comportamente parece bastante infantilizado,
diga-se, e o filme faria mais sentido se ela tivesse 13 anos) poderia explicar
o título deste primeiro longa de Anna Novion, na verdade ele carrega uma ironia
(como aliás, de resto, tem sido uma moda cada vez mais onipresente no cinema "de
arte"), já que os adultos comportam-se bastante como crianças no filme, pelo
menos no sentido emocional. Embora não seja um filme irônico em si, Os Adultos
faz pouco mais do que constatar esta imaturidade emocional generalizada, usando
para isso de alguns personagens um tanto unidimensionais - entre os quais certamente
o mais desagradável neste sentido é o pai interpretado por Jean-Pierre Darroussin.
Até por isso, quando ao final o filme parece propor uma passagem para registros
mais sutis e complexos (não "finalizando" nenhuma das histórias acompanhadas),
acaba soando ainda mais incerto de seus objetivos e métodos, porque aquilo simplesmente
não combina com o filme que víamos, com algum tédio, até ali.
Um
Amor de Perdição, de Mário Barroso (Portugal, 2008) por
Eduardo Valente Sendo
Mário Barroso um dos grandes fotógrafos do cinema português
recente (tendo fotografado seis filmes para Manoel de Oliveira, entre eles O
Vale Abraão; e mais cinco para João César Monteiro),
não é surpresa alguma que a única real grande idéia
neste Um Amor de Perdição seja visual: a maneira de filmar
a jovem Teresa sempre de forma truncada, escondida, dando a ela uma certa aura
de inexistência. De resto, porém, seu filme fracassa no intento de
trazer o romance de Camilo Castelo Branco para a atualidade, usando em parte uma
metalinguagem um tanto tola (personagens lêem o romance em cena ou se referenciam
ao filme que Oliveira realizou a partir do mesmo) e principalmente uma necessidade
de assinar constantemente esta contemporaneidade a partir dos índices mais
óbvios (celulares, computadores, câmeras de vídeo, etc), à
la Hamlet com Ethan Hawke ou Romeu + Julieta de Baz Luhrmann (embora
nada espalhafatoso). O principal problema que resulta deste excesso de "intermediários"
é que nunca conseguimos sentir a loucura romântica que habita os
personagens de Castelo Branco (a quem, curiosamente, Barroso interpretou no Dia
do Desespero, de Oliveira), algo que é essencial para nos conectarmos
com a tela. Claro que não ajuda que Barroso escolha atores que, embora
tenham a figura física adequada aos papéis, não possam dizer
o mesmo sobre sua presença cênica e atuações. Aí
dados como o incesto irmão/irmã e filho/mãe ou o desejo de
uma relação intra-classes e intra-racial deixam de lado qualquer
traço da insinuação que se parecia buscar e se tornam um
tanto ridículos na hiper-presença que assumem.
Alvorada
em Sunset (Sunset Sunrise), de Jeff McGary (EUA, 2007) por
Francis Vogner dos Reis Alvorada em Sunset
quer falar de sexo. Sua aproximação se pretende íntima, amadora, caseira com suas
câmeras digitais e seus planos fixos improvisados. Jeff McGary, que não só dirigiu
e escreveu, como produziu, fotografou e montou este filme, colocou em vários quartos
de um hotel em Los Angeles uma série de pessoas em situações pré-eróticas. Depois
de fazer um jogralzinho com alguns constrangimentos como a da mulher que não consegue
dar, a suruba alemã que se frustra, a lésbica que se ressente com a massagista,
além das situações de impotência e frigidez que ocorrem em mais de um quarto (na
verdade são, basicamente, as únicas questões sexuais), o filme salta para momentos
pós-eróticos.
Entre o pré e o pós-erótico não existe nada, só papo furado, sexo de roupa (e
embaixo do lençol), gente chata, recalcada, reclamona, complexada, traumatizada
– até o casal sado-masoquista se aborrece por não se entenderem nas bofetadas.
O sexo é sempre interrompido por alguém reclamando ou chorando. A câmera de Jeff
McGary inaugura um novo tipo de modalidade de câmera: a câmera empata-foda. Voyeurismo
pé-frio. Em Alvorada em Sunset temos todos os signos do voyeurismo digital
contemporâneo, no que diz respeito à representação e reprodução das imagens de
intimidades alheias, mas é impressionante como em 89 minutos de projeção o sexo
é somente um signo de frustração, uma imagem inexistente, uma imagem censurada.
Por mais que possa se criticar a pornografia por simular verdade na explicitação
do ato sexual, nada pior do que um filme que se propõe a falar do assunto, mas
tem como princípio a negação de sua própria imagem.
Better
Things, de Duane Hopkins (Inglaterra, 2008) por
Eduardo Valente Se
o espectador carrega com ele alguma dúvida sobre a ironia ou não
do título deste filme (algo na linha recente que nos trouxe La Buena
Vida ou Wonderful Town), o filme de estréia de Duane Hopkins
não deixa a dúvida no ar por muito tempo: logo no primeiro minuto,
uma jovem morre por overdose de heroína sentada no sofá de sua casa.
Daí por diante, em excruciantes 90 minutos, Better Things passeia
por um grupo de personagens interligados na relação com aquela menina,
tendo em comum uma mistura de tédio e profunda depressão com a vida
- mas principalmente com as relações humanas, as amorosas sobretudo.
Dividem-se em dois grupos: jovens estudantes ("não há futuro");
e velhos à beira da morte ("foi tudo em vão"). Claro que,
neste contexto, uma cena de masturbação de um rapaz por sua namorada
só pode ser encenada como o maior dos constrangimentos e sofrimentos de
parte a parte - e por aí vai. Hopkins parece muito satisfeito em confirmar
e reconfirmar a miséria existencial humana (perde-se a conta dos respiros
profundos e dos rostos enfiados nas mãos) - em belíssimos enquadramentos,
num scope de grande "arte", é claro. Difícil dizer
a diferença real entre a traficante de drogas que o filme vilaniza e o
cineasta: ambos sobrevivem às custas do sofrimento alheio.
El
Bosque, de Pablo Siciliano e Eugenio Lasserre (Argentina/México, 2008)
por Eduardo Valente Como
se os acontecimentos que dão início a El Bosque não
deixssem claro por si mesmos que algo no filme se passa no campo do sobrenatural
e do assustador, a trilha sonora onipresente (e não nos referimos apenas
à música com os insistentes agudos do coro, mas também ao
uso do eco no som ambiente) daria conta de dirimir qualquer dúvida. E este
é todo o problema por trás deste filme de estréia dos jovens
diretores, realizado com pouquíssimos recursos: tudo parece precisar ficar
claro demais, desde a narrativa em si a, principalmente,
os objetivos dos cineastas em construir a fórceps um clima de suspense.
O problema principal do filme é que, numa narrativa centrada em três
personagens, nenhum deles nunca chega a conquistar nosso interesse de fato - e
se não nos preocupamos com o destino deles, isso é meio caminho
para que o suspense em si não nos cause efeito. Como a fotografia e o trabalho
de câmera também não chegam a emprestar ao filme (por mais
que tente) nenhum grande efeito sensorial, El Bosque acaba fracassando
em conseguir estabelecer qualquer ponte mais firme com o espectador. Das claras
influências de Evil Dead ou A Bruxa de Blair, o filme consegue
extrair bem pouco para além de um diálogo de ambiente ou modelo
produtivo; se os dois marcaram época de maneiras distintas no cinema de
horror, El Bosque não deverá ser muito lembrado no futuro.
La Buena Vida, de Andrés Wood
(Chile/Argentina/Espanha/França, 2008) por
Eduardo Valente E
lá vamos nós de novo: filme-coral, personagens que se cruzam pela
cidade aleatoriamente (mas não muito porque "estamos todos conectados",
né?), sempre sofrendo o máximo possível - talvez para que
o espectador, do conforto de sua cadeira, possa se sentir mais afortunado e "dar
valor ao que ele tem". Tudo a serviço de um sentimentalismo fácil,
onde o cinema de ficção é pensado tão somente como
mecanismo de exploração do sofrimento alheio (ainda que ficcional),
para catarse do diretor e da platéia. Como cereja do bolo, a opção
por nem dar à personagem pobre a possibilidade de existir na tela para
mais nada que não seja objeto de humilhação dos outros; e
ainda a cara de pau de propor um título "irônico". Conclusão:
antes o cinema de um Ulrich Seidl, que propõe honesta e abertamente que
o ser humano é sujo por natureza e que o espectador é um sádico
voyeur, do que a mesma proposta disfarçada de humanismo exemplar.
A
Coletora (Kolekcioniere), de Kristina Buozyte (Lituânia, 2008) por
Eduardo Valente Kristina
Buozyte viu os filmes de David Cronenberg, não restam dúvidas. E entre o Videodrome
de 1983 e o Crash de 1996, puxou para si algumas perguntas sobre a relação
dos seres humanos com as tecnologias de imagem e sore a perversão como espaço
possível da transgressão, para atingir alguma idéia de realização e prazer numa
sociedade hiper-controlada pelas regras sociais e pessoais de satisfação e comportamento.
Infelizmente, porém, ao contrário de Cronenberg, a diretora lituana não demonstra
neste seu filme a menor capacidade de construir, para além das teorias e discursos,
um universo audiovisual que possa chamar de seu, onde possamos coabitar com seus
personagens ou sentir de fato o incômodo e a excitação que os atravessam. Ficamos,
por isso, no nível do epitelial, seja do filme, seja das figuras que se movem
em cena, e não por acaso tudo acaba soando forçado, pensado e exposto demais.
Se Cronenberg exercita seu cinema como experiência efetivamente orgânica para
seus personagens e para o espectador, o filme de Buozyte é apenas masturbação
mental (e, ainda assim, um tanto moralista e moralizada).
Doce
de Coco, de Penna Filho (Brasil, 2008) por Eduardo
Valente A
vontade de se gostar de Doce de Coco é grande e cheia de bons motivos:
rara realização de longa-metragem em Santa Catarina, volta ao cinema
de um veterano que não realizava longas de ficção há
mais de 35 anos, narrativa voltada para uma classe média baixa que briga
pelo dinheiro do dia a dia com um toque de realismo fantástico... No entanto,
é impossível ignorar os inúmeros e enormes problemas que
não permitem que o filme se realize como projeto. A começar por
um roteiro que, apesar de ter algumas boas idéias, as sufoca entre as falas
por demais empostadas e explicativas (em especial quando se refere a um passado
de luta contra a ditadura de um dos seus protagonistas) e o excesso de subtramas
confusamente unidas. Para piorar, o roteiro não é em nada ajudado
por uma montagem que impede o estabelecimento de qualquer noção
de ritmo interno: seja no todo do filme, seja dentro de cada cena, o filme dá
a impressão de se arrastar na tela, sem possuir de fato um motor que o
mantenha em movimento constante e garanta a empatia do espectador pelo que se
passa. A impressão que fica ao final é a de que, entre a pouca experiência
de realização local e o longo hiato produtivo do cineasta, o filme
se coloca numa forma final um tanto primitiva, sem que isso consiga nem o charme
nem a explosão de energia bruta que alguns exemplos de cinema desta natureza
conseguem. Doce de Coco resulta convencional em vários aspectos,
sem conseguir se solucionar dentro desta convenção.
O
Estranho em Mim (Das Fremde in Mir), de Emily Atef (Alemanha, 2008) por
Eduardo Valente O
Estranho em Mim estabelece bem rápido sua premissa:
Rebecca está grávida do seu primeiro filho, acaba de se mudar para uma nova casa
com seu marido, tem uma mãe carinhosa mas distante. O nascimento do filho não
vem como uma benção nem um alívio, e sim com um certo clima de horror e de estranhamento:
o bebê parece um corpo ameaçador a ela, e os rituais advindos daí (do mais simples
cuidado diário ao ato de succionar o leite de seus próprios seios) têm algo de
opressor, como a trilha sonora não cansa de indicar. Logo entendemos que a cena
inicial, que nos mostrava a personagem caminhando perdida por uma floresta, era
um flashforward do momento em que se dá nome, sobrenome e diagnóstico ao
seu problema: depressão pós-parto. Pronto, é neste momento em que O Estranho
em Mim parece abrir mão de qualquer interesse minimamente construído pela
linguagem do cinema que o carregava até ali (e não falamos aqui apenas
de efeitos visuais ou inovações de linguagem, mas sim de algo que possa advir
de elementos simples como o trabalho de ator ou a construção narrativa ficcional)
e se revela como filme “de utilidade pública”. Independente do pedigree
artístico adquirido com exibição no Festival de Cannes e afins, estas são suas
ambições: esclarecer, ilustrar e ajudar a identificar sintomas e possíveis tratamentos/posturas
frente a um mal pouco discutido ou conhecido. Tudo muito nobre, mas o fato é que
O Estranho em Mim é pouco mais do que o equivalente do cinema de arte século
21 (leia-se planos lentos, poucas construções narrativas ou psicológicas, cacoetes
simples de copiar) ao bom e velho Supercine de sábado à noite sobre uma aflição
médica ou patológica. Sintomas, diagnóstico, cura: é disso que se trata, nada
mais.
Hunabkú (idem), de Pablo
Cesar (Argentin, 2008) por Eduardo Valente
Claro que não podemos nos opor a Hunabkú
simplesmente por ele fazer a defesa de uma filosofia de vida new age que
encontra nos mistérios da gelada Patagônia o espaço da redescoberta
de uma série de seres humanos no contato com seu "eu interior".
Afinal, isso é quase um dado extra-filme que, por mais que nos pareça
um tanto ingênuo, pode ainda assim resultar em cinema de qualidade. Mais
difícil, porém, será relevar a extrema ineptude cinematográfica
com que tal filosofice é defendida, a começar por um elenco realmente
constrangedor, que parece ler suas frases direto de algum teleprompter
- frases
estas que nos atingem com a beleza e profundidade de coisas como um professor
de meia-idade dizer que "eu ainda sou criança". Mas o trabalho
audiovisual não fica muito atrás: para além de uma fotografia
e direção de arte truncadas e involuntariamente falsas, o filme
resolve "ousar" ao usar uma montagem que cria bizarras idas e vindas
no tempo dentro de uma mesma cena, num efeito que parece intencionar um certo
embaralhamento de sentidos e tempo, mas que realizado de maneira tão primária,
resulta totalmente previsível e tão somente incômodo. O grande
problema do filme, enfim, é que ele quer a fórceps nos provar que,
como ouvimos ainda no começo, "este lugar (a Patagônia) tem
algo de especial" - e, no entanto, não conseguimos jamais no filme
sentir isso de fato, incomodados que estamos com todos os componentes da realização
do trabalho.
Ninho
Vazio (El Nido Vacio), de Daniel Burman (Argentina/Espanha/França/Itália,
2008) por Eduardo Valente Encontramos
Leonardo num daqueles momentos delicados da vida: dramaturgo de sucesso, casado
com a bela Martha, está chegando na idade em que sua filha mais velha se
prepara para sair de casa. A partir da noite em que se dá conta disso (após
um jantar em que se dá conta também de uma série de inadequações
entre ele e a mulher - e principalmente os amigos desta), ele entra em uma espécie
de parafuso mental (criativo, claro, afinal é um artista) que vai transformando
sua vida num constante estado de desencanto e/ou desespero. Daniel Burman filma
isso tudo com sua habitual mistura de elegância, diálogos inteligentes,
grandes atores, câmera na mão (quase sempre excessivamente), tudo
no lugar - um pouco no lugar demais, inclusive, e as cenas parecem tão
somente servir para ilustrar os problemas de Leonardo de maneiras um tanto óbvias
(ver, principalmente, as que se passam na terapia de casal, ou no caso extraconjugal
que vive com sua dentista). Na verdade, mais do que isso, o problema principal
de Ninho Vazio é que Leonardo é um personagem desagradável
ao extremo no seu egocentrismo infantilizado (e há outro tipo?), e ao fazer
um filme todo sob seu ponto de vista (em mais de um sentido, como confirmamos
no final), Burman impõe-se um desafio nada pequeno: como causar a empatia
do espectador pelo ponto de vista de um homem desagradável? Longe de propormos
que o cinema só trate de personagens simpáticos, mas o fato é
que o tamanho do desafio não é resolvido em mais este exemplar do
cinema humanista-formulaico de Burman, que se sempre foi de altos e baixos, aqui
vê os segundos acabarem sobressaindo-se aos primeiros (ainda que estes existam).
Patti
Smith: Sonho de Vida (Dream of Life), de Steven Sebring (EUA, 2007) por
Francis Vogner dos Reis Patti
Smith: Sonho de Vida não é meramente um documentário
biográfico em que a imagem se subordina a um texto (roteiro) anterior, como muitos
dos que são produzidos para a TV. Steven Sebring deseja de fato urdir ali uma
forma, mas o problema é que, fora as imagens feitas na turnê em que temos como
centro a própria Patti Smith em ação (e ela sabe se apresentar como personagem,
tem consciência de seu mito), o diretor não consegue fazer com que seu filme encontre,
(re)conheça Patti Smith. O documentário demorou cerca de dez anos para ser concluído,
e é dividido em duas partes que se entrelaçam: o registro da volta de Patti Smith
nos anos noventa, uma década depois de ter se afastado da carreira (e logo depois
da morte de seu marido Fred “Sonic” Smith, ex-guitarrista do MC5), e as impressões
em tom memorialístico da própria Smith sobre sua vida. Sebring juntou um bocado
de informações, poemas, imagens, mas não organiza isso de modo a confrontar sua
personagem. O que poderia aparecer como dados que formam, ou nos deixam escapar,
a mulher e o mito, resultam em clichês amontoados. A Patti Smith militante, a
roqueira acidental, a poetisa, a operária, a profeta, a mãe, a esposa, a filha,
são tipos, ilustrações. Mas a contradição e o mito não interessam ao diretor,
ele quer abrangência, quer ilustrar pobremente a poesia de Smith, transformando
sua força poética em panfleto e as imagens e informações sobre a artista em catálogo
audiovisual sofisticado. Patti Smith, que sempre esteve a milhas de distância
da vulgaridade, não precisava disso.
Sem
Querer (De Ofrivilliga), de Rubens Ostlund (Suécia/França/Noruega, 2008)
por Eduardo Valente Vez
por outra acusamos um ou outro cineasta de usarem seus personagens ficcionais
para tão somente ilustrar uma tese ou uma idéia sobre o mundo, esvaziando assim
a ficção de qualquer potência independente frente o “mundo real”. Pois Involuntário
impõe um problema maior, pois esta que pode ser uma conclusão na análise de algumas
obras ficcionais aqui é de fato o objetivo assumido pelo filme desde bem cedo
(como evidenciado numa cena que, de tão didática, se desenrola numa sala de aula
infantil). De fato, aquilo que une as seis histórias que se revezam na tela, mais
do que uma tese, trata-se mesmo de uma acusação ao ser humano: a de que, levado
pelas “leis da convivência social”, ele se acovarda quando em grupo e é capaz
dos atos mais vergonhosos justamente por não querer passar vergonha frente aos
colegas. Para ilustrar a tese, como dissemos, seis histórias, cujas cenas vão
sendo separadas por uma solene “tela negra”, e onde o papel do cineasta e do espectador
é, sob a desculpa de “se colocar no lugar dos personagens”, tão somente observar
quão baixo os seres em cena poderão descer. Logo fica claro que Rubens Ostlund
é apenas mais um novo aluno na escola de Michael Haneke, sem possuir qualquer
talento específico que o distinga ou cause interesse.
Sob
Controle (Surveillance), de Jennifer Lynch (Alemanha/Canadá, 2008)
por Eduardo Valente O
maior desejo do crítico ao começar a analisar um filme cuja autoria
remete à filha de um grande cineasta, como é o caso deste aqui,
realizado pela filha de David Lynch, é o de poder ignorar completamente
esta filiação e ater-se ao que nos apresenta a cineasta em questão.
No entanto, Jennifer Lynch não faz este trabalho muito fácil aqui,
pois deixa uma tamanha série de indícios de relação
com a obra do pai, que se torna impossível não pensar nele. Só
que a questão é que enquanto o imaginário sempre rico e um
tanto doentio de seu pai se afirma no cinema como um ato de fé na imagem
e na imaginação, no filme da filha a história se repete como
farsa, e as ferramentas parecem usadas para criar um mundo que, embora eventualmente
divirta e eventualmente crie imagens perturbadoras, parece sempre ao nível
da pele, do pastiche, da impossibilidade de propor de fato um mundo audiovisual
seu, levando à necessidade de habitar num mundo dado, que fascina, mas
no qual não se acredita nunca de todo. De fato, talvez a forma mais enriquecedora
de se ver o filme seja aproximando a cineasta à personagem infantil do
seu filme: uma menina que testemunha os atos mais dantescos de violência,
e que viverá para transfigurar aquilo de alguma forma no seu imaginário.
Pensamos então na jovem Jennifer, passeando pelos sets de filmagem de um
Veludo Azul, por exemplo, e depois tentando lidar com aquilo tudo de alguma
maneira. Visto assim, talvez Sob Controle seja mais interessante do que
como experiência autônoma de cinema.
Varsóvia
Sombria (Izolator), de Christopher Doyle (Polônia, 2008) por
Julio Bezerra Christopher
Doyle é um grande fotógrafo de cinema, parceiro de gente como Wong Kar-Wai e Gus
Van Sant. Como cineasta, no entanto, ainda não fez jus a seu talento, e este Varsóvia
Sombria não é exceção. No filme, a prostituta Ojka (Anna Przybylska) está
com um oficial do governo polonês quando ele é assassinado. Ela é capturada por
um homem e levada para um apartamento, onde passa por um programa de transformação
de personalidade. Enquanto isso, a polícia tenta resolver o assassinato, monitorando
uma série de pistas de origem ambígua. O que se segue é uma trama escusa de conspirações
e assassinatos, entre outros absurdos. Varsóvia Sombria é um exercício
infeliz de linguagem, em que vemos tudo como fragmentos de filmes: cenas intermináveis
de Ojka vagando seminua pelo cativeiro, conversas vagas entre polícias e outras
autoridades, planos do seqüestrador comendo ovos fritos, flashbacks de
seqüências que já vimos, etc. Isso sem contar com a insistência completamente
injustificável em imagens de celular e câmeras de vigilância, como se fossem parte
de uma pauta temática pré-filme. O cineasta parece buscar a construção de uma
atmosfera de suspense quase abstrato, mas se mostra sempre duro e sem ritmo, incapaz
de imprimir um sentido de perigo ou tensão a qualquer seqüência ou personagem.
David Lynch, no seu descompromisso com as regras costumeiras da narrativa, seu
desejo pela fragmentação e desierarquização entre fato, pensamento, imaginação,
vem à cabeça. A grande diferença é que Doyle implode a estrutura (difícil discernir
motivações, personagens, viradas, drama), mas não oferece nada em troca. O cinema
de Lynch opera sempre no simples gesto de ver imagens e reagir a elas. Varsóvia
Sombria é apenas um pout-pourri redundante e autocomplacente. O radicalismo
de Doyle é fácil, e mais parece uma criança jogando de quebrar o brinquedo.
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