Obrigado por Fumar (Thank You for
Smoking),
de Jason Reitman (EUA, 2006)
por Eduardo Valente
Um pequeno filme “do mal”
Nick Naylor, lobista da indústria de cigarros,
definitivamente não é um modelo de comportamento, segundo o senso
comum atual. Quando vai ao encontro de pais e filhos na escola
falar da sua profissão, é motivo de embaraço para seu filho e
de dificuldades pedagógicas para a professora. Modelo do que de
pior o mundo corporativo representa, ele também é o protagonista
de Obrigado por Fumar – e, ao contrário de tudo que se
esperaria de um filme sobre ele, não vai pedir desculpas por isso.
Mais cedo este ano, pudemos assistir O Libertino,
filme que começava com um Johnny Depp que encarava a platéia e
dizia com todas as letras: eu não sou um cara legal. No entanto,
apesar do aviso (e mesmo com algumas qualidades na aproximação
do filme com seu objeto), o filme não tinha a coragem de levar
esta afirmação até o fim, seja pelo processo de decadência que
nos aproximava do personagem de Depp, seja por alguns golpes de
roteiro (inclusive, e principalmente, o interesse romântico) que
tornavam aquele “amoral” absolutamente compreensível para nós.
Já em Obrigado por Fumar, Jason Reitman
não tem o menor problema de levar proposta semelhante ao seu último
grau, no que se encontra o pulo do gato que faz do filme mais
do que apenas uma piada esperta. Quando, previsivelmente, a decadência
atinge o personagem (em formas aparentemente catárticas de punição
pelo seu comportamento – pelas mãos dos “terroristas irados” e
da repórter que faz ele “provar do próprio remédio”), o filme
mostra estar brincando conscientemente com as regras do conto
moral, gênero bastante específico e recorrente. Não só Nick Naylor
não aprenderá nada com sua trajetória, passando por um processo
de “iluminação”, como ainda será seu filho, orgulhoso do pai que
tem (contra todo o clichê das crianças como repositórios morais
do mundo) quem irá fazer com que ele recupere sua crença em si
mesmo (na mais bela cena do filme).
A
consciência de que Naylor e seus amigos lobistas não são o demônio,
e sim uma articulação tão humana quanto a simples existência das
indústrias que representam é essencial na construção da narrativa
do filme. Porque, para Reitman, mesmo no registro cômico eles
são personagens de fato, não caricaturas ambulantes (como no pretensamente
sério filme-denúncia Fast Food Nation, de Richard Linklater).
Em torno da ótima interpretação de Aaron Eckhart, se estrutura
um universo plenamente construído, com seus eventuais arroubos
de comédia rasgada e paródica (o rapto, por exemplo). Na balança
que une e separa Eckhart de seu filho e do barão do cigarro (interpretado
por um Robert Duvall inspirado), Reitman constrói as fundações
de uma comédia dramática de personagens, onde a ficção e suas
potencialidades são levadas bastante a sério.
Sobra para os partidários dos filmes de “campanha
de conscientização” a mensagem de Nick Naylor sobre a propaganda
anti-tabagista: será que realmente alguém não sabe que aquilo
faz mal? Fazer conscientemente algo que causa o próprio mal (mas
provém algum prazer) é uma das tendências absolutamente naturais
do Homem, que certamente prescinde de qualquer “conscientização”
para além da simples difusão de informações. O respeito básico
pela capacidade humana (portanto, do espectador de cinema) de
decidir sobre sua vida é uma das maiores qualidades deste filme
que, no entanto, é bem mais interessante (e divertido, porque
não?) do que uma declaração de princípios.
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