Os Vingadores (The Avengers), de Joss Whedon (EUA, 2012)
por Pedro Henrique Ferreira

O sentimento que nos une

A história de Os Vingadores é a de uma união tipicamente americana, resumida fortemente numa única imagem, a última do filme: do letreiro no edifício empresarial da indústria em que antigamente se lia “Starks” – nome da personagem de Robert Downey Jr., empresário que se transforma no Homem de Ferro – agora se lê o “A”, de Avengers. Uma tática incrustada na origem mesma do projeto descende do estúdio Marvel e da linha de sua produção recente: uma estratégia de marketing financeiramente bem sucedida da franquia, orientada ao público consumidor de filmes de super-heróis, ação e fãs de quadrinhos. A aposta é explorar a imagem exterior de suas figuras, que já são ícones de uma cultura, e reproduzir tais imagens para criar um espetáculo cinematográfico em torno de poderes e arsenais de guerra. Os elementos da narrativa entretêm pela exibição destas forças e por um repertório de piadas e tiradas bem humoradas em relação à condição de seus heróis.

É no interior desta cápsula, e com as únicas ferramentas que lhe são ofertadas, que Whedon tece sua trama, onde o que está em jogo é a possibilidade de reunião e agrupamento mesmo sob a lógica da concorrência neoliberal. Mas como juntar todos estes heróis que já tiveram (ou ainda virão a ter) um ou mais longas-metragens dedicados unicamente à sua figura, e fazer ainda desta reunião um acontecimento extraordinário e de grande apelo? A solução encontrada por Whedon faz uma assumida menção a Os Dozes Condenados, de Aldrich, um de seus filmes prediletos, num movimento invertido de sístole e diástole. Primeiro, é necessário colocá-los juntos numa mesma situação e fazer com que suas convicções, interesses e forças lutem entre si. Com efeito, a primeira metade do filme é uma sucessão de brigas onde os heróis da Marvel testam seus poderes um contra o outro. O espetáculo é justamente este confronto direto, homem-a-homem, entre os heróis da Marvel. Em todo combate, nenhum prevalece sobre o outro: preservam-se as características de cada um e cria-se a sinergia que o filme de ação necessita com a explosão entre estas forças contrárias que nunca se anulam. A onda desta primeira parte é, por exemplo, bater o poderoso martelo de Thor (Chris Hemsworth) contra o escudo inquebrantável do Capitão América (Chris Evans).

Sabe-se que Robert Downey Jr. só topou atuar em Os Vingadores sob a condição de que seu personagem fosse o centro das atenções, e negociou um contrato milionário, mais de dez vezes maior do que os demais atores da trupe. Whedon aproveitou-se deste acontecimento extra-fílmico não somente para fazer piadas irônicas no roteiro com o personagem do ator, mas também para edificar uma reflexão sobre o heroísmo em meio à lógica empresarial do neoliberalismo norte-americano. O desenvolvimento sustentável da Starks Industries está no polo oposto da evolução bélica da inteligência secreta dos EUA, pois admite o ideal da competição capitalista onde uma empresa quer vencer a outra se superando, ao invés de enfraquecendo ou coagindo o adversário por meio de ameaças ou demonstrações de poder. O que, por sua vez, só incitaria ainda mais a guerra e o caos.

No universo da Marvel, o governo aparece como uma instituição nula, descreditada, que motiva mais problemas do que os soluciona. Sempre que intervêm em um conflito, é para piorá-lo. Desconfiado de suas intenções, o homem abandona todas as motivações nacionalistas e se vê em um mundo de intrigas, podendo confiar somente em sua própria argúcia para se mover. É um processo que conta do enfraquecimento de um governo démodé e a potência da competitividade entre empresas individuais, que ilustra a única forma de coletivismo possível em um capitalismo avançado, numa forma de estrutura que cada vez mais se aproxima de uma anarquia. Todo empreendimento, por mais que filantrópico, é um empreendimento individual, para si, com uma boa dose de humor até no fracasso e sem um senso de sacrifício em nome de algo maior. Assim, os homens se tornam sujeitos excêntricos, pois, na falta de um catalisador, não servem a qualquer norma e adquirem trejeitos e vícios antissociais. Consequentemente, há um esfacelamento da dramaturgia, na mesma medida em que as motivações individuais e as conotações psicológicas de cada um deles se desfazem em privilégio da trama de ação. As conexões dramáticas e sequências que exigem uma profundidade/densidade da encenação são curtíssimas e abandonadas rapidamente, o que, naturalmente, gera um certo grau de inconstância, e de oscilação entre bons e maus momentos, dado que sua imagem está desligada de valores de composição e encenação.

Mas uma demonstração da competitividade nos EUA e seu poderio, que encontra seu correlativo imagético fácil, não é rigorosamente a única meta de Os Vingadores. O que é que, no interior deste universo, justifica a união e o heroísmo? - características que são absolutamente necessárias para a formação da esquadrilha da Marvel. Não há martírio em sentido religioso, abdicação. Sob o olhar radicalmente neoliberal de Whedon, trata-se de uma motivação pessoal: o ódio comum, o desejo de vingança que dá título ao filme. Thor sente ódio de Loki (Tom Hiddleston) porque ele assassinou seu pai; Natasha Romanoff (Scarlet Johansson), porque ele manipulou um agente do governo que um dia lhe salvou a vida; Steve Rogers/Capitão América, porque ele matou um de seus fãs ingênuos e apaixonados que acreditava em heroísmo; Stark, porque ele está utilizando a sede de sua empresa para abrir um portal para outro mundo; e o Hulk (Mark Ruffalo) simplesmente sente raiva o tempo todo. O fato é que a iniciativa do demônio de Asgard mexeu com cada um deles individualmente, e isto é o suficiente para que eles empreendam um único projeto comum. Como um grupo, são o resultado deste ódio. Um enlaçamento ou sístole que sempre ocorrerá naturalmente quando houver alguém tentando domá-los. Os Vingadores é a trama deste improvável enlaçamento num regime como é o que rege os EUA atualmente.

Junho de 2012

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