A Caixa (The Box), de Richard Kelly (EUA/França, 2009)
por Filipe Furtado

Ruídos

A Caixa é um filme óbvio. À primeira vista tal afirmação pode parecer negativa, e até um contra senso, dada a maneira com que o filme nunca satisfaz completamente o espectador com explicações sobre os detalhes acessórios da sua trama. Justamente: Richard Kelly lança mão de muito ruído para distrair o espectador da simplicidade óbvia do seu conto moral. Assim, ao final das suas duas horas, a preposição deste conto moral, introduzida nos primeiros 10 minutos, se resolve da exata maneira que se imagina. O que torna este processo todo muito mais interessante é que, ao mesmo tempo em que esta obviedade simples é uma das suas forças, o mesmo também vale para os muitos caminhos obtusos que o filme parece tomar. No cinema de Richard Kelly, o ruído importa.

Os três filmes de Kelly até agora, Donnie Darko, Southland Tales e este A Caixa, partem de alguns princípios similares: são todos filmes históricos, localizados em momentos negativos da história americana recente (a ressaca de Nixon neste A Caixa; o final do governo Reagan em Darko; uma versão alternativa do pós-11 de setembro em Southland Tales), que os reorganizam num misto de sensibilidade de quadrinhos (Southland Tales, em particular, é o mais próximo de uma graphic novel filmada que o cinema recente chegou – para o bem e para o mal) com um ponto de vista moral muito forte sobre cada um destes momentos – além de uma facilidade muito grande em fazer com que eles ressoem contemporaneamente. Pode-se dizer que os três filmes permitem uma curiosa sociologia pop da sociedade americana dos últimos dez anos, culminando neste episódio duplo de Twilight Zone sobre a recente crise econômica.

A Caixa abraça de forma ampla uma série de elementos absurdos, sem que eles nunca detratem do seu conceito. Pelo contrário: os becos sem saída, teorias absurdas e alusões inusitadas propostas pelo filme reforçam não só o valor alegórico do seu dilema central, mas sobretudo como este é pratico e simples. Não deixa de ser um filme sobre a nossa desconexão com o valor das coisas, o puxar o botão facilmente substituído por qualquer ato de consumo. Não é, decerto, um filme completamente bem resolvido: os dois filmes anteriores de Kelly se beneficiavam de universos melhores desenvolvidos do que este, seja pela falta de intimidade de Kelly com o fim dos anos 70, seja pela falta de química entre o casal principal formado por Cameron Diaz e James Marsden, que anula parcialmente a ênfase do filme no núcleo familiar.

Mas, quando dizemos que o maior mérito de A Caixa é sua falta de surpresas, isso se dá justamente pela forma como, entre acertos e erros, o filme usa todo seu ruído fantástico para pegar seu pequeno conto moral e tirar-lhe o caráter abstrato. Quando o desenlace que previmos desde o primeiro instante se confirma, ele funciona e nos atinge porque àquela altura nós já não acompanhamos um exercício distante, no qual um conceito vai sendo aplicado, mas sim um dilema de aplicação muito mais direta. Entre fluxos temporais, cultos esquisitos, Jean Paul Sartre e viagens no espaço-tempo, a obviedade de A Caixa ganha força e urgência; do seu artifício e estranhamento, ela pode ressoar entre nós.

Outubro de 2009

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