O Amor não Tira Férias (The Holiday),
de Nancy Meyers (EUA, 2006)
por Lila Foster

Romance à hollywoodiana

Com este seu terceiro longa, Nancy Meyers amadurece uma questão já explorada em Do Que as Mulheres Gostam e Alguém Tem que Ceder: a falta que faz o amor na vida de mulheres bem resolvidas em a sua vida profissional. Esta busca pode ser muitas vezes sinônimo de dependência, de posturas contraditórias e subjugadoras, pois o encontro do par “ideal” se configura como uma verdadeira salvação. Ao tornar esta dependência visível e caricata ela expõe um dilema que, se não abrange a maioria das mulheres, pelo menos tange algumas das questões vividas e pensadas pela pessoa que vos escreve: porque depositamos tanta energia num ideal romântico de felicidade no qual o amor é a fonte principal? E, isso é um dilema e tanto: aceitar o papel do amor na vida de uma mulher, sendo uma dentre as várias coisas a serem conquistadas.

O que poderia se configurar como uma espécie de anti-feminismo – por que essas mulheres fortes e produtivas precisam tanto de um homem? – aponta para um dilema muito interessante, se visto de uma outra perspectiva. Afinal, se a mulher só se sentir completa quando ao lado de um homem pode ser um signo de submissão deplorável, o fato é que, apesar de tantas conquistas, as mulheres ainda se encontram imersas num profundo romantismo – aliás fortemente influenciado pelos filmes hollywoodianos. Tudo bem que, de princípio, já cabe uma ressalva: de que mulheres e de que tipo de experiência estamos falando? Não se trata de uma regra, não se trata de considerar que só teremos existência diante do homem que nos ama, mas sim, de identificar um ideal romântico, muito influenciado pelo cinema, que circunda o nosso imaginário. Mas, se certamente este é um tema extremamente relativizável, se nos atemos às mulheres de Nancy Meyers, elas são totalmente consumidas pelo preocupação com o amor e o que ele as reserva de cinematográfico.

Na véspera do Natal, Amanda (Cameron Diaz), uma editora de trailers de cinema em Los Angeles, rompe com o seu marido após descobrir que fora traída. Paralelamente, Íris (Kate Winslet), uma jornalista inglesa, se choca com o casamento inesperado do seu ex-namorado pelo qual ela ainda continua apaixonada. A desilusão amorosa gera em Amanda uma enorme necessidade de fuga e, num golpe do acaso, ela se interessa pela casa de Íris anunciada num site de aluguel de imóveis. Em uma conversa via computador, Íris ao invés de alugar a sua casa por uma temporada propõe uma troca por alguns dias e, rapidamente, parte para Los Angeles e Amanda vai para sua casa numa pequena vila perto de Londres. A chegada no novo espaço já nos prepara para a chegada do novo amor, como não podia deixar de acontecer numa comédia romântica típica.

O que torna o filme mais interessante é o caminho de transformação das personagens para a sua subseqüente realização do amor, mostrando como existe uma relação direta entre a auto-imagem feminina e o cinema industrial norte-americano como código cultura e poderoso mediador simbólico. É claro que a diretora decide assumir isto não de uma perspectiva crítica distanciada, mas, como uma insider: um dos cenários é Los Angeles e muitos dos seus personagens atuam como profissionais da área. Além de Amanda, Miles (Jack Black) é um compositor de trilha para cinema e o simpático amigo de Íris é um roteirista dos velhos tempos de Hollywood. Afora uma dicotomia clara entre a velha e a nova Hollywood – a primeira ainda preocupada com a qualidade dos roteiros e o talento dos atores para garantir o sucesso financeiro e a segunda mais concentrada em estratégias de lançamento do que na qualidade dos filmes – Amanda e Íris, cada uma à sua maneira, têm os seus dilemas ilustrados pela influência do cinema no imaginário romântico.

Os questionamentos amorosos de Amanda surgem como um sobressalto pela voz típica de um narrador de trailer. Esta “super voz over”, que é quase um super-ego, espelha não só o seu excessivo envolvimento com o trabalho, causa primordial do seu desentendimento com seu marido, mas também a forma que ela processa as emoções do seu encontro com Graham (Jude Law). Como um trailer deve ser um produto de curta duração, rápido e bem resolvido, é assim que ela tenta resolver tudo lançando mão de soluções rápidas e racionais. Mas, assim como um trailer cada vez com mais frequência atrai o espectador para filmes altamente problemáticos, sua imagem de mulher bem resolvida também tenta escamotear questões mal resolvidas. Sua dificuldade de encarar as emoções, se deixar envolver e se livrar dos disfarces – conflitos expressos pela onipresente voz over – vai ser aos poucos quebrada pelo seu envolvimento de Graham, que não vive também sem as suas máscaras.

Íris por outro lado, vive o seu drama de abandono como a metáfora cinematográfica exposta pelo roteirista Arthur: na vida ela assume sempre o papel de coadjuvante, de melhor amiga da atriz principal. Na consolidação de sua amizade com Arthur e Miles, repetindo ainda o seu papel favorito de melhor amiga, ela consegue reconhecer suas qualidades e com isso será capaz de dar fim a sua história de paixão não correspondida.

Afora essa influência do cinema como correlato simbólico-psicológico, Nancy Meyers se mostra bem consciente dos códigos que regem uma comédia romântica. Sendo assim, a trilha sonora de Hans Zimmer é fundamental, e a direção está muito atenta às trocas de olhares como ponto crucial das comédias românticas (também exposto pelo roteirista Arthur), aquele momento em que dois estranhos se percebem apaixonados. Aqui fica latente o ótimo trabalho com os atores que, à exceção de Cameron Diaz (que não confere nuances à sua personagem um tanto neurótica), realizam esta troca de olhares de forma maravilhosa. Os diálogos também são precisos no retrato dos percalços amorosos, além de muitas vezes engraçados, como a cena caricata do choro das duas mulheres (que parece vir com a rubrica “Dedicada para mulheres”).

Os clichês e idealizações sobram, claro, mas sem eles a comédia romântica perderia sua razão de ser. As narrativas sobre amor sempre trazem um pouco do acaso e a magia cinematográfica do encontro. Afinal, quem nunca sonhou de forma totalmente cinematográfica com a chegada do seu grande amor entrando num bar? Ou um atropelamento que revelaria o seu par ideal? Ou uma câmera girando em volta do casal no seu primeiro beijo? Como uma diretora centrada no universo feminino, Nancy Meyers, goste-se dela ou não, mais uma vez retrata essas mulheres que, apesar de todas as suas conquistas, depositam enorme importância no amor.


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