in loco - cobertura dos festivais
Tikimentary - Em
Busca do Paraíso Perdido (Tikimentary: In Search of the Lost Paradise),
de Duda Leite (EUA/Brasil, 2010)
por Paulo Santos Lima
Um
mergulho não tão profundo nas águas do paraíso
Há documentários cujo estilo exige uma aproximação
crítica mais atenta à sua forma, à maneira como ele trabalha certas
questões da linguagem documental (é o caso, por exemplo de Santiago,
Na Captura dos Friedman, os filmes de Coutinho e os de
José Padilha). Outros organizam-se de modo mais “jornalístico”,
tendo como questão aquilo sobre o que estão falando, e geralmente
não muito abertos a implicações morais sobre a forma; no máximo,
a escolhas. É o caso deste documentário do brasileiro Duda Leite,
que fala de um tema interessantíssimo: a cultura (ou, melhor dizendo,
o estilo de vida) “tiki”, cujos partidários anseiam por um paraíso
possível, entre o escapismo para o retrô dos anos 40 e 50, mas
também em experimentar situações extremamente prazerosas, como
festas, bons drinks, músicas havaianas, roupas multicoloridas.
A inspiração é também a cultura polinésia, com seus totens, utensílios
exóticos, etc (o “etc.” ganha um uso primordial aqui, pois o que
define esta cultura é um universo bem maior, bem mais naturalizado
no cotidiano de lojas, restaurantes, memorabílias de viagem, canecas,
músicas).
Longe
de querer qualificar se os documentários “formalistas” são melhores
que os “jornalísticos” (o próprio Coutinho realizou um marco do
telejornalismo nacional, com O Imperador do Sertão, utilizando
o maquinário do Globo Repórter). Nem está em questão, também,
o quão revelador é Tikimentary – o que tornaria desmesurado,
por exemplo, compará-lo a trabalhos como Rádio Bikini,
produção da BBC. Mas o “tiki” é, pela sua essência, uma estética.
E o filme, mesmo ora e outra escolhendo um certo “visual tiki”
para as vinhetas, poderia ir ao limite. Como estética, o “tiki”
é quase ilimitado. O teatro burlesco, por exemplo, empresta algo
a “tiki” – inclusive, Leite mostra a bela Miranda Colclasure (mais
conhecida como Mimi Le Meaux, e mais ainda por estar em Turnê,
de Mathieu Amalric). Ela é mais outro dado no filme. O que é ela
é esteticamente, ou pelo seu papel (que é além de tomar drinques
exóticos ou falar à câmera), passa longe do filme. Ela é mais
outra personagem, outro dado.
Mas
o caminho que Tikimentary segue é outro. Sua proposta é
mesmo falar sobre algo. Isso ele faz – e o faz com um raro respeito
por seus personagens, naquilo que poderia descambar para um vampirismo
do potencial ridículo/excêntrico dessas pessoas bem interessantes.
Sai-se, sem dúvida, da sessão com um tanto mais de material sobre
o “tiki”. Mas, por aí mesmo, o longa dá uma pequena escorregada.
Além das divas lânguidas, Carmen Miranda e sereias, além de ser
uma “encenação-real” (que, sejamos justos, aparece muito bem nos
entrevistados bem escolhidos pelo diretor), o “tiki” é o cimento
de muitos filmes e cinemas, do roadmovie ao grande cinema
de Tarantino e Robert Rodriguez, dos carros a uma comédia como
O Aventureiro do Pacífico, de John Ford. De muitas músicas,
também, como o Elvis Presley tipo Seresteiro do Acapulco,
Jerry Lee Lewis, teclados etc.
Ao não esmiuçar melhor isso, tampouco criar uma
relação entre essas imagens e a estrada pela qual Duda Leite escolheu
seguir, Tikimentary falha um tanto como documentário “jornalístico”.
Longe de se exigir uma revelação por meio da alta forma, como
nos filmes de Wiseman, ou escolher o brilhante estoicismo de revelação/informação/conscientização
dos docs da BBC, mas talvez Tikimentary, que já é interessante
pelo que tenta mostrar, tenha de ser pensado como um primeiro
passo para um projeto maior, mais arriscado e profundo, contaminando-se
mais com o assunto, trazendo algo mais de suas entranhas.
Novembro
de 2010
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