Titãs - A Vida Até Parece Uma Festa,
de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves (Brasil, 2008)
por Eduardo Valente

Do iê-iê-iê ao "como vão vocês?"

Seria justo esperar/pedir/exigir mais de um filme do que aquilo mesmo a que ele claramente se propõe ser? Talvez sim, talvez não – no entanto a resposta pesa de vez para o lado do “sim” quando o que nos faz ter essa expectativa está dentro do próprio filme. A questão vem à tona porque, embora tudo indique que Titãs – A Vida Até Parece Uma Festa não aspire a muito mais do que aquilo que nos acostumamos a ver num especial de TV/extra de DVD sobre a história de uma banda de rock, ainda assim existe ali, escorrendo pelos cantos quase de maneira indesejável e incontrolável, um senhor filme sobre bastante mais do que isso.

Nesse sentido, os primeiros quinze a vinte minutos são exemplares: numa inda e vinda constante entre diferentes imagens, o filme nos joga num verdadeiro redemoinho que explicita, sem a necessidade de nenhuma palavra para além do ato de registrar uma realidade com câmeras, a transformação de um projeto artístico coletivo e marginal em um fenômeno midiático. Na simples montagem paralela entre a gravação em vídeo caseiro de uma apresentação num palco teatral e a participação num programa de auditório de TV, há um inevitável curto-circuito que se dá entre os diferentes usos da imagem de vídeo a partir dos seminais anos 80 (aqueles tanto do começo da democratização do suporte como dominante no registro caseiro quanto da massificação da TV como eletrodoméstico presente em mais lares brasileiros do que a geladeira). O jogo que se desenha neste começo entre arquivo pessoal (onde a cena no bar mitzvah atinge o ápice de efeito) e registro público de um grupo que viveu no olho do furacão midiático por mais de 20 anos leva a uma reflexão sobre a superposição entre memória pessoal e imaginário coletivo que, infelizmente, o filme logo abandonará como possibilidade bastante siderante.

É de uma curiosa coerência que, na seqüência, nós vejamos os membros daqueles citados projetos “marginais” se apresentando nos principais shows de variedade da TV brasileira da época (já não mais como calouros, mas sim como atrações principais) cantando, justamente, um hit popular de nome “Televisão”, que afirma que “a televisão me deixou burro/muito burro demais”. Mais do que a letra da música em si (que, mesmo que soe ainda bastante subversiva quando executada no programa do Chacrinha, tem um tanto de saudável ingenuidade), o que impressiona nestas primeiras imagens dos Titãs em cena já como “produto cultural” é a clara auto-consciência da sua presença e do papel representado naquele autêntico circo (“olha o bacalhaaau...!”). Para quem só tenha conhecido a banda em suas encarnações pós-Acústico talvez seja um verdadeiro choque perceber, na forma de encenar coreografias para a câmera ou brincar com o ato de tocar em playback, como sobrava ao grupo uma energia desestruturante que passeia entre o cinismo e o hedonismo puro – herdados, com certeza, do passado então ainda recente entre os artistas do underground paulistano.

Só que, na mesma medida em que a banda logo muda o foco do seu lado mais francamente palhaço e paródico, abraçando a causa de um rock mais “autêntico” (para ficarmos numa palavrinha complicada), o filme de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves também abandona este caminho um tanto frenético e desenfreado que marca o seu começo. A partir daí, o filme vai se dividir entre dois impulsos que respondem perfeitamente ao que parecem ser os interesses dos seus dois diretores. Da parte de Branco Mello, como integrante dos Titãs e principal responsável pelos registros em vídeo nas diferentes épocas, trata-se de encontrar uma plataforma de exibição minimamente ordenada e selecionada das horas e horas de material que possuía (e que, curiosamente, quanto mais a lógica da escolha dos trechos passa a ser regida pela “originalidade de um momento único”, mais se cisma em se parecer com os trocentos outros registros de bastidores de bandas que já vimos). Já da parte de Oscar Rodrigues Alves, realizador de inúmeros videoclipes de várias bandas (inclusive, claro, dos Titãs), parece vir o impulso que logo torna todo o material pensável dentro da lógica clipeira mais óbvia e direta – seja ela a dos registros ao vivo, seja a que agrupa cenas familiares com fundo de “Família”; cenas de viagem e aeroportos sob as palavras de “Turnê”, etc.

Sem dúvida, a partir do momento em que abraça esta forma convencional de grande coleção de clipes, o filme usa ao máximo os poderes da mixagem em dolby 5.1 para mostrar, de forma inegável, que, entre 1986 e 1993, os Titãs gravaram uma quantidade quase inacreditável de poderosas canções de rock e realizaram alguns dos mais memoráveis shows da história do gênero no Brasil (com destaque para o do Rock in Rio 2 e os duetos com os Paralamas e Sepultura no Hollywood Rock). Mas, quase com a mesma eloqüência, fica claro, nem que seja pela simples quantidade de músicas executadas no filme (e a música, afinal, será sempre central num documentário sobre uma banda), como os últimos dez anos, pós-Acústico MTV, relegaram os Titãs, se não ao completo ostracismo, no mínimo a uma pasteurização indistinguível. Embora esta não pareça ser, por motivos óbvios, uma tese que o filme defenda ou a qual deseje dar ressonância, que nós não possamos sair da sala sem chegar a essa constatação não deixa de ser o que ele tenha de mais plenamente “fiel à realidade” – para usarmos o jargão jornalístico que o filme parece abraçar a partir de um certo momento, com a necessidade de contar as saídas de alguns membros, a morte de outro, etc. E aí, não vai haver grito de "nós estamos bem" à pergunta "como estão vocês" (da música do disco de 2003 que toca no filme) que nos convença que, talvez, o grande filme subterrâneo que passa na nossa cabeça enquanto vemos Titãs - A Vida Até Parece Uma Festa seja uma elegia ao poder enebriante do que é ser jovem.

Fevereiro de 2009

editoria@revistacinetica.com.br


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