Infância Roubada (Tsotsi),
de Gavin Hood (África do Sul, 2006)
por Cléber Eduardo

Redenção e bom comportamento

Não vou mentir: o único interesse despertado por Infância Roubada, antes de assisti-lo, está na informação de que ganhou um Oscar – o de melhor filme estrangeiro, pela África do Sul. Esse interesse tem menos a ver com a expectativa de o Oscar ter premiado uma obra-prima africana e mais com a curiosidade em torno das características legitimadas pela Academia de Hollywood. Pois vamos lá: Infância Roubada segue um jovem negro em seu percurso da delinquência à redenção (com  punição), primeiro mostrando-o como ameaça produzida por sua biografia, depois encaminhando-se para sua regeneração, sempre mais interessado nesse processo de rumo ao bem que no processo fomentador das atitudes más. Sim, tudo assim, bem simples, simplório mesmo, para ninguém deixar de entender nada.

No começo, ele é mostrado, sem sutilezas, como um monstro. Não apenas rouba como usa a violência. Bastam alguns minutos para começarmos a ser convidados pelo filme a iniciar um processo de relativização dessa figura. Temos alguns momentos de apelativos e psicologizantes flashbacks com imagens de sua infância sofrida – se essa era a reivindicação de quem cobrou motivação para Zé Pequeno em Cidade de Deus, talvez tenha sido melhor ele ter sido mostrado como patologia como foi. Mas o acontecimento-chave é o roubo de um carro de uma grã-fina, em quem o anti-herói dá um tiro, descobrindo depois estar com o bebê de poucos meses dela agora em sua posse. De certa forma, adota o pequeno (não o Zé), clandestinamente.

Será pelo contato progressivo com essa criança desamparada, pela aproximação coercitiva com uma jovem e pelo exemplo moral de um semi-intelectual a quem espanca que, em última instância, o protagonista, dotado de uma violência sempre em vias de explodir, vai aprender o caminho da mansidão, certamente um estágio anterior à sua legalização como cidadão à margem. Não é sua pobreza que o torna revoltado, mas um problema afetivo que, com a semente da paternidade despertada pelo recém-nascido, poderá ser solucionado. Se isso não for estímulo ao conformismo social... bem, se não for, só pode ser reacionarismo mesmo. E assim, na parte final, depois do delinquente virar um anjo, dar esmola para um paraplégico de quem tinha ameaçado roubar todas as moedas, reivindicar a amizade da moça que amamenta o bebê para ele e roubar brinquedo para a criança na casa dos pais dela, depois disso tudo, ele termina com as mãos para a cima (quase saudando aos céus por estar adentrando o caminho do bem).

Gavin Hood parece Jayme Monjardin filmando em favela africana (que por sua vez parece reconstituída no Projac, ou por efeitos de computador, tamanha é a artificialidade de sua tonalidade salmão, certamente obtida por correção digital - “correção” é modo de dizer). Algumas de suas soluções de câmera são de uma notável incapacidade, entre as quais a sucessão de subjetivas usadas em uma seqüência no metrô, na qual o movimento da câmera entre os passantes não corresponde à rigidez da cabeça e olhos de quem está olhando. Enfim, Infância Roubada, se ganhou o Oscar, só pode ter sido por uma razão: a lição dada aos negros pobres para se comportar direitinho.


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