Tudo pelo Poder (Ides of March),
de George Clooney (EUA, 2011)
por Raul Arthuso

Entre o universal e o específico

Uma das concepções mais queridas em relação ao cinema americano é lidar com pessoas, casos e temas universais. Vez ou outra essa "universalidade" é apontada como uma das razões de sua hegemonia nos cinemas ao redor do mundo. Essa aproximação crítica, no entanto, entra em curto no contato com Tudo pelo Poder, o novo filme dirigido por George Clooney. Fica evidente durante a projeção que o filme tenta lidar com questões muito específicas da política americana e do atual momento de seu governo.

Essa dualidade se evidencia pelos dois pólos de atração do filme: o candidato Mike Morris, encarnado pelo próprio Clooney, e Stephen Meyers (Ryan Gosling), seu assessor de campanha. Enquanto Morris perpassa o filme como a representação de um ideal, carregado de um discurso progressista e propostas de mudança e renovação para o futuro, trazendo o peso de grandes valores (universais) e ideologias, Meyers é o vetor das demandas imediatas, da agenda, do cotidiano, da negociata. Naquela que talvez seja a cena mais simbólica dessa dialética, Morris dá um discurso repleto de grandes valores e assertivas tendo como fundo a bandeira americana, enquanto, atrás dela, Meyers discute com seu chefe (Philip Seymour Hoffman) sob uma luz sombria, preenchida pelo vermelho das tiras da enorme bandeira sobre os rumos da campanha. Assim, o universal (Clooney) se opõe/depende/caminha junto ao específico, ao micro (Gosling). Porém, o drama se concentra em Meyers e nas entranhas, na sujeira, no banal da política, não na "grande política" de Morris. Tanto que, mesmo com toda a reviravolta que o personagem sofre, Morris não se transforma, nem mesmo seu discurso, pois está relegado ao fora de quadro, como um personagem sem mise en scène, cuja imagem é resultado das articulação de Meyers, o legítimo "possuidor de mise en scène" de Tudo pelo Poder. É interessante que o último plano do filme acompanhe Meyers aproximando-se da câmera e fixe-se no rosto expressivo do ator enquanto ouve-se, no fora de quadro, o mesmo discurso de Morris que perpassa o filme, porém agora com outros significados, advindos da mudança de comportamento de Meyers.

É de se notar a relação de inversão entre Tudo pelo Poder e Boa Noite, Boa Sorte, filme anterior de Clooney. No filme de 2005, a estrutura se baseava em uma rede de personagens trabalhando para que Murrow (David Strathairn) entrasse em choque com o poder opressivo, numa relação de confiança naquele que emprestava sua imagem a um discurso que, no fundo, era do anseio da coletividade. Em Tudo pelo Poder, por outro lado, há uma profunda desesperança com aquele que representa, como se seu discurso não fosse mais que mera forma sem conteúdo, pois resultado de uma construção armada por um grupo (ou no caso, por Meyers) com determinados interesses. Tanto Murrow quanto Morris são atores num teatro armado, porém Murrow empresta-se ao papel que personifica, enquanto Morris é incapaz de fazê-lo (e parece interessante que Clooney não tenha se dado esse "papel-forte" em nenhum dos dois filmes).

O ponto de atração mais forte em Tudo pelo Poder está no ator Ryan Gosling. Com sua força expressiva, ele muda a percepção de si dentro do teatro da campanha e transforma a concepção que se tem de Morris, passando o peso do filme da Política (e portanto da discussão dos valores carregados pelo discurso de Morris) para a política, ou seja, a construção imediata de um candidato vencedor a custo de sujar as mãos.

É notável que essa batalha entre o universal e o específico de Tudo pelo Poder cause uma dúbia reação. A primeira é a de ver a política do filme como simplória e simplificadora, pois sua discussão dos valores universais caminha por lugares-comuns da corrupção das ideologias e o esvaziamento do discurso. A segunda, também legítima, é deduzir que Tudo pelo Poder traz consigo um objetivo claro e imediato de responder aos anseios de uma desilusão do americano com o presidente Barack Obama e que, portanto, o filme responde ao momento e a um público específico - um pouco como Tropa de Elite 2 é resultado de demandas do público brasileiro em relação à sua política. E assim como Tropa me é muito próximo e sedutor, Tudo pelo Poder me é estranho, pobre, frio, mas principalmente de difícil aproximação quando os dados disponíveis são aqueles que chegam "pelas notícias" e não da vivência. Ou melhor: vacilante. Um vacilo entre universal e específico, aparentemente um caso simultâneo de politics for dummies e análise da situação pela The Economist, talvez resultado da ressaca Obama.

Fevereiro de 2012

editoria@revistacinetica.com.br


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