in loco - cobertura dos festivais
O Último Comandante
(El Último Comandante),
de Vicente Ferraz e Isabel Martinez (Brasil/Costa Rica, 2010)
por Fábio Andrade
O mundo e os filmes
Em uma entrevista à revista eletrônica de música Pitchfork, Jeff
Tweedy, líder da banda Wilco, faz uma afirmação categórica: o mundo
não precisa de mais canções. A princípio, tal máxima parece simplesmente
reacionária, mas é preciso colocar ao menos um detalhe em perspectiva:
a entrevista é dada poucas semanas antes de o Wilco lançar mais
um grupo de canções ao mundo. Os sentidos da frase, portanto, estão
um pouco além de sua reação mais superficial, pois são articulados
por alguém que, apesar de acreditar que o mundo não precisa de mais
canções, continua produzindo e lançando as suas próprias.
Aí
nos deparamos com El Último Comandante, o novo filme de
Isabel Martinez e Vicente Ferraz – diretor do longo extra de DVD
que é Soy Cuba – O Mamute Siberiano, e do francamente constrangedor
Germano, episódio brasileiro no coletivo O Estado do Mundo,
que se embaraça ao lado de grandes filmes (uns maiores que outros)
de grandes sujeitos, como Chantal Akerman, Apichatpong Weerasethakul,
Pedro Costa e Wang Bing. E logo nos primeiros minutos de projeção,
é inevitável que a frase de Jeff Tweedy volte à cabeça levemente
modificada: o mundo não precisa de mais filmes. Isso não significa
que novos filmes não devam ser feitos, mas simplesmente que o
mundo não precisa deles. Há mais de 100 anos de história do cinema
a se explorar, revisitando clássicos consagrados e descobrindo
obras injustamente ignoradas ao longo dos anos – e os bons filmes
de outrem falarão melhor sobre o presente do que os maus filmes
de qualquer época. O mundo, de fato, não precisa de mais filmes.
Nada disso, porém, é para
dizer que os filmes – nem mesmo certos filmes; sequer os maus
filmes – não devam ser feitos. É apenas uma perspectiva necessária
que determina todo excesso como poluição: se vais fazer um filme,
é imprescindível que cada partícula de prata no negativo, ou cada
pixel no vídeo, signifique o mundo para você. É questão de fazer
verdade o juramento athanasiano da EICTV (Escuela Internacional
de Cine y Televisión de San Antonio de Los Baños), que Fernando
Birri recupera na abertura do catálogo deste mesmo Cine Ceará:
jurais que não filmareis um só fotograma que não seja como o pão
fresco e que não gravareis um só milímetro de fita magnética que
não seja como a água limpa?
El
Último Comandante não tem pão, água ou sangue. Tem apenas
uma leitura tipificada e apaziguadora de um grande tema, onde
todo velho revolucionário guarda um poster de Guevara pendurado
na parede, e toda cena será encarada como um problema a se solucionar
da maneira mais rápida e fácil possível. É preciso iluminar uma
cena noturna? Joguemos um HMI pela janela, de preferência projetando
um recorte bonito na parede. É preciso filmar um plano de conjunto?
Basta dispor todos os atores em formato de U frente à câmera,
fechar os olhos, e torcer para que tudo dê certo. E assim o filme
vai, cena a cena, problema a problema, se arrastando pela dura
jornada que é sua projeção, esperando apenas chegar – vivo ou
morto, pouco importa – ao final.
Por que fazer um esforço
sobre-humano para retirar qualquer pensamento, que seja, de um
filme que nada oferece a ser pensado? Por que honrar o compromisso
crítico diante de obras que não honram o compromisso consigo mesmas?
- que, bastardas, são jogadas ao mundo de maneira tão despreocupada
e inconsequente. No fim das contas, o mundo também não precisa
de mais textos. E quando não há nada, nada mesmo, que instigue
as palavras, não há motivo algum para seguir abandonando-as ao
vento.
Junho de 2010
editoria@revistacinetica.com.br
|