in loco - cobertura do Festival do Rio
Afinal, para que serve uma vinheta?
por Eduardo Valente
Qual filme causou mais reações neste Festival
do Rio? Alguns apostariam no choque estético de Juventude em
Marcha, outros no êxtase de amor (dos personagens e do autor
por eles) de Volver ou de O Céu de Suely, outros
na polêmica política de um O Crocodilo ou Crônica de
uma Fuga, ou finalmente no escândalo formatado em butique
do enfant terrible O Cheiro do Ralo. Mas, se o critério
for a quantidade de comentários pelos espectadores do Festival,
não tem pra ninguém: o filme mais falado do Festival é mesmo a
vinheta de abertura (nem que seja pela repetição exaustiva da
mesma, ou pelo clamoroso erro de pontuação do bordão do Festival
estampado ao final dela).
Vitória, portanto, da organização? Aí, depende
de como se quer ver o fenômeno. A primeira coisa a se perguntar
é: qual a função da vinheta de abertura de um Festival? Uns diriam
que é não chamar a atenção, e apenas marcar aquela sessão como
parte do mesmo evento. Esse é o caminho seguido, acima de todos,
pelo Festival de Cannes, no qual o Rio tenta se espelhar em tantos
aspectos. Além de tão elegante quanto o Festival se deseja, a
vinheta de Cannes tem ainda uma outra marca: é sempre a mesma,
no que afirma que não precisa ficar “inventando”. O que importa
é o nome, e a Palma: “você está numa sessão do Festival de Cannes,
parabéns”, parece dizer. E funciona – quem nunca pode vê-la ao
vivo, pode checar no começo de Femme Fatale, de Brian de
Palma (e aí, aproveita e vê/revê o filme, poxa!). O caminho da
discrição com a marca do evento (embora diferente todo ano) também
é o seguido pela Mostra de SP, Festival de Curtas de SP, É Tudo
Verdade, por exemplo – animações quase abstratas a partir dos
símbolos dos festivais.
A lógica das vinhetas recentes do Festival do
Rio parece ser outra, e nisso ele sai do âmbito da abertura de
sessão ou de identidade do Festival, e envereda pela da publicidade:
marcar, causar efeito – o que parece um tanto esquisito para algo
que será visto à exaustão, e portanto perder cada vez mais este
efeito. Da dantesca (mas incrivelmente honesta nesta relação com
a publicidade) versão com Luigi Barricelli e pôr do sol carioca,
passando pelas simpáticas (mas um tanto desastradas) reconstituições
de cenas clássicas (do cinema americano) do ano passado, o Festival
opta por uma relação direta e diferente a cada ano com supostas
conexões entre Rio e cinema – e a idéia de conexão e marca são
típicas da linguagem publicitária.
Curiosamente, este ano a opção parece vir pela
negação a princípio: o que haveria de carioca numa atendente albina
de lavanderia, uma mulher de casaco esquimó no metrô, um velhinho
contemplativo no mesmo? Nada, embora o cinema cisme em surgir
ali onde não se espera (a pipoca na máquina de lavar, as cadeiras
e a coca-cola do velhinho). Finalmente, eis que vem a paisagem
carioca por excelência (o Pão de Açúcar, a Baía), e surge um homem
pegando fogo, aparentemente fazendo cooper, pela sua velocidade.
Pensamos no Rio, esperamos ver uns traficantes correndo atrás
dele com pneus queimados. Mas, claro que não, é um festival “positivo”
do Rio, então o que surge é uma câmera na grua, seguida de uma
frase sem vírgula ou relação com o que vimos, ou mesmo qualquer
lógica para além dos sofismas publicitários que não convém questionar
(afinal de contas, por que diabos faltava o cinema?? ou ainda
qual cenário já estava pronto, o da lavanderia??).
Afinal, a vinheta é boa, ou a vinheta é ruim?
Sei lá eu, e nem me importa – quem a criou que saiba porque a
criou, com qual finalidade, e o festival que decida se é pra isso
(causar discussão ou revolta) que serve uma vinheta. Da minha
parte, só uma coisa chama a atenção como algo definitivo: o cinema
“contemplativo” de matriz asiático-européia, que várias pessoas
já vinham apontando como algo que sofre um desgaste claro do anti-psicologismo
fácil, se tornou de fato uma imagem tão clichê que já pode ser
tirada de contexto e chupada pelos publicitários como algo significativo
em si (japonês que joga videogame, cabine vazia de atendente do
metrô, velhinho com fundo fora de foco, etc e tal). Isso sim é
interessante perceber nesta vinheta, ainda mais quando tantos
filmes depois dela se apóiam no mesmo procedimento como algo novo,
inédito, interessante. A publicidade discorda.
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