VIPs, de Toniko
Melo (Brasil, 2010)
por Eduardo Valente
Extraordinariamente
comum
Não é nada difícil descartar VIPs de saída
com um argumento bem simples mesmo: assim como as histórias que
deram origem aos filmes já eram bastante parecidas, pode-se comparar
o exemplar nacional ao Prenda-Me Se For Capaz spielberguiano,
com óbvia superioridade do original (inclusive no que se refere
à mesma fraqueza, que são os momentos em que se deixa de lado
a ação e parte-se pro drama pessoal de fundo psicanalítico). Pronto,
resolvido: cópia piorada de matriz estrangeira – é isso a que
aspira o cinema nacional? Só que, como quase sempre é o caso com
simplificações rápidas, parar por aí deixa de lado uma série de
nuances bastante interessantes de se discutir a partir deste filme
de estréia de Toniko Melo – e não seria a menor delas justamente
o fato de que, tendo em vista a trajetória do protagonista, acaba
sendo um espelhamento bastante adequado entre filme e personagem
que o primeiro também tente, de alguma forma, se passar por algo
que ele não é.
Mas, boutades à parte, é claro que o primeiro
ponto a ser levantado numa comparação deste tipo é o fato de que
Prenda-Me Se For Capaz é obra de um veterano plenamente
em domínio da sua arte (ou, como seria mais adequado e até importante
dizer, do seu artesanato), enquanto VIPs é o filme de estréia
de Toniko Melo na direção de longas. Tão determinante quanto,
talvez, é o fato do filme hollywoodiano ser produto de
uma indústria que se estrutura efetivamente como tal há quase
um século, o que inclui tanto toda uma noção de infra-estrutura
(principalmente na mão de obra técnico-artística) quanto principalmente
um know how já absolutamente intrínseco nessa arte bastante
particular que é a de contar histórias de maneira “invisível”
através do audiovisual. Por isso tudo, pensar VIPs a partir
da perspectiva de filme de estréia e de indústria de cinema menos
que insipiente acaba parecendo mais elucidativo do que simplesmente
a partir de uma comparação com um filme de um Spielberg após 30
anos de carreira.
Sim,
porque não resta dúvida que VIPs tem seu projeto todo montado
para ser parte da cadeia de uma indústria (não custa lembrar,
aliás, que sua origem é como produto patrocinado quase integralmente
pela Universal americana, dentro de um acordo com o O2 Filmes)
– ainda que, de fato, de uma indústria que não existe (e, diga-se,
o acordo entre Universal e O2 já havia sido terminado antes mesmo
do filme ser finalizado). E nesse sentido, embora seja possível
sempre discutir a validade deste desejo dentro do audiovisual
nacional, ou principalmente a sua possibilidade de efetivamente
construir-se como algo significativo a médio ou longo prazo, isso
seria uma discussão a ser mantida sempre por fora do próprio filme,
quase ignorando-o como manufatura – o que pode ser sempre muito
útil e interessante em outros espaços da esfera política, mas
não me parece o mais esclarecedor aqui. Porque, dentro dessa perspectiva,
o que parece bastante óbvio e quase inescapável como dado é que
VIPs é o mais forte e bem sucedido exemplar de cinema a
ter nascido desse desejo copycat de cinema no Brasil, pelo
menos mais recentemente – um desejo que, para além das implicações
políticas ou filosóficas de qualquer tipo é, no mínimo, bastante
compreensível como simples motor de cinema por quem quer que se
fascine pela linguagem deste, particularmente em sua matriz hollywoodiana.
Matriz
que, diga-se com todas as letras, para se concretizar na tela
como acontece em VIPs não passa jamais apenas por uma capacidade
de macaquear procedimentos ou “excelências técnicas”, mas manejar
alguns conceitos que, no artesanato do cinema, estão muito próximos
do radical “arte”, entre eles ritmo, construção de espaço, fluidez
narrativa e, principalmente, carisma de personagens. E aí, é claro,
não dá para negar que boa parte da força de VIPs advém
da presença na tela do seu elenco – a começar por um Wagner Moura
realmente impressionante, confirmando-se no pós-Capitão Nascimento
como nosso maior “ator de cinema”, em todo o sentido dos dois
termos em
conjunção. Pode-se dizer que VIPs só vai
até onde o carisma de Moura o levar – mas isso não diminui em
nada o filme. E ainda seria muito impreciso e injusto com uma
direção de atores muito inteligente, que permite que cada um dos
coadjuvantes tenha o seu momento de brilho na tela – algo muito
parecido com o melhor do cinema industrial americano, aliás (tradicionalmente
uma das grandes incapacidades do cinema brasileiro ao tentar navegar
nessa matriz era a enorme queda de “presença” na tela ao passar
dos personagens principais para coadjuvantes e/ou figurantes).
Mas então VIPs é um grandíssimo filme?
Longe disso, mas justamente esta sua condição parece uma qualidade
e tanto para o que ele pretende – essa capacidade de ser “apenas
mais um filme” (o que não é pouco). A questão é que ele é “apenas
mais um filme” numa indústria onde ainda se encontra isolado,
e aí vira foco tanto de elogios como de críticas em tom um tanto
equivocado para suas qualidades e defeitos reais. Talvez essa
seja a grande dificuldade de VIPs (e aí de novo, há um
curioso espelhamento com seu personagem principal): a dificuldade
que terá para “passar invisível” no meio onde tenta se imiscuir
– e que, claramente, não é o dele.
Setembro de 2010
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