in loco - cobertura dos festivais
Cidade Maravilhosa (Wonderful Town), de Aditya
Assarat (Tailândia, 2007) por Eduardo Valente
Cidade
sem vida
Wonderful Town
começa com a chegada de Ton, um arquiteto que mora em Bangkok, a uma pequena cidade
litorânea ao sul da Tailândia. Lá, ele vai trabalhar por algumas semanas na construção
de um novo grande hotel na beira-mar – hotel voltado para receber os turistas
que não costumam ir à cidade em si, nem muito menos ficar na pequena pensão onde
ele prefere se hospedar, e cuja gerente-zeladora, Na, chama logo sua atenção.
O filme divide o tempo de tela acompanhando separadamente os dois personagens
(arquiteto e zeladora), cada um na sua rotina, e intuímos que logo Ton e Na começarão
a aproximar sua relação. Assarat filma este começo, onde apenas alguns eventuais
travellings laterais ou movimentos de aproximação de planos quebram uma
estrutura de planos parados mais abertos, usando de um realismo bem tranqüilo,
que parece interessado em nos fazer habitar o tempo daquele espaço, e até aí o
filme atiça a curiosidade, estética ou narrativa, do espectador. No
entanto, assim que a relação entre Ton e Na começa a se tornar a principal preocupação
do filme, Assarat vai perdendo nosso interesse por, basicamente, fazer um duplo
movimento. Esteticamente, ele parece por demais preso aos procedimentos estéticos
de uma série de cineastas que ele certamente assistiu ao longo dos últimos anos.
Se o conterrâneo Apichatpong Weerasethakul certamente é o primeiro a vir à mente
(não só pelo país de origem de ambos, mas também pela forma de filmar este caso
de amor e sua ida à natureza num determinado momento – além da aparição curiosa
de um tigre que nos remete, até por estarmos já totalmente “remetidos” pelo filme,
a Mal dos Trópicos), obrigatoriamente temos que falar também de Jia Zhang-ke
(a forma como Assarat quer unir história do país à história dos personagens, e
como filma os espaços em construção e ruínas); de Tsai Ming-liang (na maneira
como os trajetos de comunicação entre os personagens esbarram em constantes interditos);
até mesmo de Hou Hsiao-hsien. Em suma, precisamos falar de um certo dream team
do cinema contemporâneo (mundial, mas onde vale notar sua força local por serem
todos asiáticos) que vai criando uma influência marcante, que resulta em cineastas
com menos talento ou clareza de propósitos (como é o caso aqui) “replicando” procedimentos
sem dar a eles um fim adequado (algo já notado, diga-se por Luiz Carlos Oliveira
neste
artigo). Paralelamente a isso, existe o movimento narrativo
do filme, interditado em duas frentes. No desenvolvimento do caso de amor entre
Ton e Na, Assarat nunca consegue nos fazer de fato acreditar neste envolvimento
como motivação, seja através de artifícios dramáticos, psicológicos ou sensoriais.
O grande motivo para os dois se interessarem um pelo outro parece sempre ser a
necessidade que o filme impõe de que isso aconteça para que possa discutir as
relações entre uma Tailândia rural e outra urbana (fora de quadro, mas sempre
presente). Se
não conseguimos acreditar na construção da história, menos ainda conseguimos acreditar
na outra necessidade que o filme impõe (desde o seu título, aliás, cuja ironia
soa cansada num certo niilismo contemporâneo), a de que a história termine mal.
Isso precisa acontecer como imposição também de um mal-estar, de uma malaise
que o filme metaforiza pela sua realização numa cidade arrasada pelo tsunami,
como também faz questão de colocar em cena e em discussão nos diálogos dos personagens.
Na soma das duas coisas, percebemos de um projeto cujas motivações todas parecem
externas a si (falar do Tailândia pós-tsunami, do mundo de hoje, através do cinema
de hoje), mas principalmente externas à ficção que seus personagens encenam –
e que, por isso mesmo, não nos convence. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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