X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class),
de Matthew Vaughn (EUA, 2011)

por Thiago Brito

O bom mais do mesmo

XMenA melhor coisa, e pior, que existe na franquia dos X-Men tem um nome: Bryan Singer. Já no primeiro filme da série, realizado em 2000, Singer conseguiu elaborar um tipo de abordagem e olhar sobre os quadrinhos que influenciou uma torrente de filmes e mesmo estabeleceu um paradigma de realismo que se encontra em boa parte dos filmes de quadrinhos realizados desde então. Tanto seu X-Men, quanto seu X-Men II (o melhor de toda franquia até hoje, e um dos melhores filmes da época), desenvolveram um tipo de união entre aquilo que poderíamos pensar como um mundo da aventura, da fantasia, com aquilo que podemos denominar como um fator social declarado e extremamente consciente: elevar a figura e posição dos mutantes a um estágio de simbiose com a então luta pelos direitos de minorias, principalmente a de homossexuais, homoafetivos ou como queira e permita a lei. Não é difícil lembrar da cena em que o Homem de Gelo deve "sair do armário" e dizer aos pais que é um mutante, e a resposta obtusa da mãe: "Você poderia tentar não ser um mutante?"

E, embora catastrófico, o terceiro filme da saga merece menção especialmente por nos trazer o que se pode pensar como um sintoma: em muitas medidas, o filme de Brett Reitner buscou exatamente sair do paradigma realista de Bryan Singer, fugindo das possíveis interpretações dos Mutantes como minorias perseguidas e/ou excluídas, e apostando em uma abordagem mais ligada a uma cultura de entretenimento tout court. E é também o primeiro filme da saga em que o personagem de Magneto atinge de fato um patamar de vilão, em que todo trabalho de nuança realizado por Singer é substituído por uma composição mais superficial do personagem, tingindo-o de fato com um ar megalomaníaco. X-Men: O Confronto Final, apesar de todos os seus problemas (e eles não são poucos), nos levanta a questão de até que ponto este modelo perseguido por Singer, depois reciclado em filmes como Homem de Ferro, ou até mesmo nos Batmans de Nolan, não estaria já por demais preenchido e realizado, antecedendo o que se pode chamar de uma "diluição", algo que pode ser comprovado até com o filme anterior de Matthew Vaughn, Kick-Ass. Aquilo que travava Kick-Ass era, em alguma medida, uma necessidade embrutecida de fazer com que sua narrativa pudesse dar cabo de questões, digamos, "maiores". O filme simplesmente não poderia ser uma certa aventura visual, em que todos os esforços se direcionassem a um tipo de revitalização plástica de suas situações, onde a imagem pudesse sobreviver por si só sem as interferências de uma conotação, ou mesmo alegoria, de instâncias sociais mais imediatas.

XMenMas, em X-Men - Primeira Classe, a questão já é outra. Se Singer já havia pavimentado a proposição, se ela já deu resultados positivos, a manobra poderia ter outros efeitos, desta vez libertadores. Vaughn aparece mais à vontade com sua versão de X-Men. Ao mesmo tempo em que segue todos os passos de Bryan Singer, o diretor consegue elaborar melhor algumas estratégia visuais que pareciam forçadas ou desnecessárias no seu trabalho anterior. Em Kick-Ass, pode-se ver o apreço que Vaughn possui por situações quase que pateticamente trágicas, em que um clímax se vê travestido de um momento de revelação pessoal, de altos tons dramáticos e emocionais. Aqui, o grande ponto do filme é exatamente quando Magneto aprende como dominar sua ira e descobre que, de fato, há mais dentro dele do que esperava. Vaughn orienta sua câmera para um close de grande potência, em que os olhos de Michael Fassbender (realmente, um grande ator) conseguem expurgar uma felicidade estonteante que agrega em si todo conceito por trás do filme: a possibilidade de reconhecer-se e aceitar-se.

Mas é o próprio Magneto que, em um momento de lucidez até maior do que o próprio realizador, anuncia a presença do grande elefante branco: o início é este, aceitar-se; depois, é tomar uma posição e partir para a ação. E eis que o projeto de Vaughn se vê presa de uma repetição quase fatalista, a grande baleia que pode engolir todos os trabalhos subseqüentes da nova saga. Se o próximo passo é a ação, o filme não consegue propor uma alternativa possível ao modelo estabelecido por Singer. Se a proposta era uma renovação de toda a saga dos X-Men, então o projeto é realmente um grande fracasso. O filme de Vaughn - que de certo modo é também de Bryan Singer, aqui atuando como produtor e criador da história original - serve muito bem como um adendo ao trabalho já desenvolvido pelo próprio Singer, mas torna-se um grande fiasco quando a questão é propor novas coordenadas e saídas. E, para fazer isso, vai ser necessário muito mais do que uma boa direção, pois não há plano, mise-en-scene ou virtuosismo que mascare uma pouco inspirada, e de fato já bem diluída, concepção.

Julho de 2011

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