admirável mundo novo - especial
retrospectiva 2006 YouTube: filho bastardo
ou inimigo número 1 da TV? por Diego Assunção
Um
jornalista renomado entra no estúdio, um tanto cambaleante, parecendo embriagado,
para a apresentação de seu programa que vai ao ar ao vivo. Em outro caso, uma
jornalista, após falar o que não devia durante um programa, é retrucada pela pessoa
que acusava e, sem argumentos, é praticamente humilhada. Outro caso: em um programa
de auditório, o apresentador autoriza uma menina a fazer uma piada, ao término
dela, é surpreendido por uma resposta “mal-educada” da jovem.
As
três descrições são exemplos de momentos embaraçosos transmitidos pela mídia televisiva.
O que eles têm em comum é o fato de terem sido hospedados no Youtube, e se tornarem
verdadeiros “campeões de audiência” em 2006 fora do meio em que foram originalmente
veiculados. No passado recente, não seriam todos esses casos meras anedotas, lendas
contadas por amigos mas vistos por poucos? Mesmo que não tenhamos visto o Vanucci
bêbado do primeiro caso (pois preferimos comemorar a vitória italiana na Copa
comendo uma macarronada na casa da vovó, por exemplo); sentido pena da Milly Lacombe
tombando perante o goleiro são-paulino Rogério Ceni no segundo exemplo (nem todo
mundo tem o hábito de assistir mesas-redondas na TV por assinatura); ou compartilhado
da perplexidade do Silvio Santos com a resposta rápida da menininha (afinal, nem
todo mundo vivenciou os anos 70), tais momentos não apenas poderão ser vistos
e revistos como poderão ser espalhados para amigos e conhecidos que tenham a disposição
um computador com acesso a um endereço como o Youtube. O
Youtube, além de possibilitar a divulgação de vídeos caseiros feitos por webcams
ou câmeras digitais caseiras (a princípio o motivo de sua criação), serve hoje
de espaço para o arquivamento (e compartilhamento) dos mais variados vídeos que
um dia foram exibidos na televisão. Assim, situações constrangedoras que as redes
televisivas prefeririam queimar do seu arquivo para levar ao esquecimento, acabam
sobrevivendo e destruindo o conceito “descartável” que é propagado pelas emissoras
de televisão, seguindo a máxima “o que é apresentado hoje, será esquecido amanhã”.
Mas não apenas de gafes vive o Youtube, pois muitos foram os artistas geniais,
e geniosos, banidos da televisão que encontraram neste hospedeiro um espaço para
serem descobertos e redescobertos. Andy Kaufman, por exemplo, comediante de vanguarda
norte-americano que fez as emissoras em que trabalhou, nos anos 70 e 80, se submeterem
ao seu talento, não o contrário. Kaufman (na foto) ganhou notoriedade quando Jim
Carrey o encarnou na cinebiografia do comediante O Mundo de Andy, mas nem
o filme do Carrey fez com que as emissoras de televisão (abertas ou por assinatura)
se mobilizassem para colocar em suas programações algumas das participações do
Kaufman para a televisão. Pode-se perder determinado programa,
determinada gafe que, a priori, deveria ser levada ao esquecimento, mas
o “hospedeiro” Youtube, com a constante colaboração de telespectadores munidos
com fitas de programas gravados da televisão, realizam um verdadeiro processo
de reciclagem com o lixo descartável que deveria ser jogado fora da memória de
relapsos telespectadores. O programa que foi um dia ao ar se transforma em um
vídeo digital com péssima qualidade de imagem e som. Opção estética e viabilização
técnica das mais fascinantes, vendo que assume um papel oposto da estética limpa
e asséptica pregada pelas emissoras de televisão. Seria o
Youtube o inimigo nº. 1 da televisão? Menos inimigo do que, talvez, um filho bastardo
que carrega em seu corpo características do seu progenitor, traz consigo uma herança
degenerada conseqüente de uma má formação e desenvolvimento. O Youtube, essa ovelha
negra, seria então o responsável por levar adiante uma herança, uma feiúra que
seus pais prefeririam esconder? As respostas poderão ser adquiridas ao toque de
palavras-chaves no comando de busca do site. Busque por Vanucci, Lacombe, Silvio
Santos, Andy Kaufman, mas procure também por “Banheira do Gugu”, “Ratinho” ou
“João Kleber”, entre outras figuras que foram banidas do faro moral que rege as
grades de programação. editoria@revistacinetica.com.br
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