in loco - cobertura dos festivais
Postcards from the Zoo (Kebun Binatang),
de Edwin (Indonésia, 2012)
por Raul Arthuso
De
volta à casa de bonecas
Qualquer tentativa de descrever exatamente o que é Postcards
from the Zoo pode terminar incompleta, mesmo que este segundo
filme de Edwin não desperte o mesmo sentimento relatado
por Eduardo Valente aqui na Cinética no seu texto sobre
Porco Cego quer Voar, estréia do diretor indonésio:
"...fica bem claro que o que está principalmente em
jogo no filme é uma questão étnica (e religiosa)
da composição da população indonésia
que nos escapa quase completamente, pelo menos nas suas nuances,
significados específicos e, portanto, apreciação
das pequenas cenas (e ironias, algo tão importante neste
filme)".
Os dados, em seu segundo filme, são bem mais palpáveis.
Longe de qualquer constituição étnica ou
ironia, a questão reside justamente que a articulação
desses dados segue a lógica da casa de bonecas. A começar
por uma analogia entre a personagem principal e um animal de selvagem
em cativeiro: a protagonista de Postcards... viveu a
vida toda no zoológico depois de ser abandonada pelo pai.
Cartelas sobre procedimentos referentes a animais de cativeiro
apresentam o próximo passo do filme. O mundo, o zoológico
e a personagem servem à analogia que, tão clara,
torna-se eficiência de discurso. Qualquer relação
íntima mais complexa entre homem-animal, sociedade-cativeiro,
selvageria-domesticação passa ao largo.
Por
outro lado, Postcards... é essencialmente uma
fábula: tudo que envolve o zoológico, como os barcos
em forma de pato, o ônibus em formato de animal, o caubói
mágico que faz seus truques como se de fato tivesse poderes
sobrenaturais, recheia o filme de elementos que, se não
chegam a representar um vôo cego pelo fantástico,
flertam com o imaginário dos desenhos animados, principalmente
Hayao Miyazaki - o microônibus que a protagonista dirige
várias vezes ao longo do filme lembra vagamente o veículo-animal
de Meu Vizinho Totoro - como uma espécie de live
action do universo do animador japonês. Contudo, o
procedimento é o inverso. Enquanto a fábula - e
em Miyazaki isso é bem sensível - parte do fantástico
para alcançar o mundo (seja de modo simbólico ou
tirando uma moral da história), Postcards... tenta
abstrair o mundo para tirar sua fábula. Não surpreende
que todas as pontuações de elementos concretos -
como os animais em seus cativeiros e os gestos de personagens
periféricas como o caubói mágico e o cafetão
- tendam ao leitmotif puro, como meras repetições
formais, pontas soltas que teimam em incidir na imagem. Quando
Edwin tenta de alguma forma fazer o movimento de volta e tira
a personagem do seu mundo-casulo (o zoológico) para jogá-la
na cidade e na prostituição, o estrago já
está feito: após entrar na prostituição,
Postcards... põe sua protagonista em algumas das
sequências de massagem erótica menos eróticas
que se tem notícia.
Como
algo apontado por Fábio Andrade em seu recente texto sobre
Moonrise Kingdom, aqui na Cinética, Postcards...
abstrai o concreto pela conceituação como fim:
o mundo está aí para ser transformado numa casa
de bonecas (ou um zoológico de bonecos, pouco importa).
A abstração para essa fábula, porém,
tirou qualquer possibilidade de contato sensível com esse
mesmo mundo - e nem o sofrimento, a magia ou o erotismo é
capaz de levantar o defunto. Onde o cinema libertaria (o mundo,
as personagens, o cineasta), Postcards... se abisma.
Outubro de 2012
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