Amores Imaginários (Les amours imaginaires),
de Xavier Dolan (Canadá, 2010)

por Eduardo Valente

Auteur imaginário

Xavier Dolan é um jovem cineasta canadense (de Quebec, para ser mais exato) que traçou nestes dois últimos anos o típico caminho bem-sucedido para se tornar um autor reconhecido no círculo internacional dos festivais de cinema: seu filme de estréia, J’ai tué ma mère, foi exibido em 2009 na Quinzena dos Realizadores, onde recebeu prêmios e uma boa dose de elogios e atenção que assegurou sua exibição em boa parte dos eventos ao longo do ano pelo mundo (Brasil incluído), além do lançamento na França e afins.

Seu segundo longa chegou no ano seguinte (e manter essa noção de timing é essencial para ser bem-sucedido, para que as pessoas não te esqueçam), tendo feito aquilo que é comumente considerado um “pulo” de divisão dentro de Cannes, para a mostra Un Certain Regard (isso porque, embora a Quinzena na maior parte dos anos tenha uma seleção mais interessante que a UCR, esta segunda faz parte da chamada “seleção oficial”, por isso é considerada pela maior parte dos freqüentadores um espaço de maior nobreza dentro do Festival). Mais do que estes detalhes práticos, porém, Amores Imaginário s reforça essa idéia de autoria por voltar a algumas das características mais marcantes do filme anterior de Dolan, nesta que é uma outra estratégia inteligente de afirmação, pois os festivais adoram cineastas devidamente reconhecíveis; donos, por assim dizer, do seu próprio “estilo”. Voltam aqui, por exemplo, a sua presença como ator principal, representando um jovem com enormes dificuldades de relacionamento com as pessoas à sua volta; o uso de momentos no filme em que os personagens parecem se dirigir diretamente ao espectador (embora aqui isso venha mediado pelo formato de uma conversa em torno de uma mesa); o apelo a enquadramentos e manipulações na imagem que chamam a atenção para o olhar do cineasta sobre o espaço, reenquadrado de formas muitas vezes distantes de qualquer noção de frontalidade naturalista.

Isso tudo vem aqui relatado desta maneira "jornalística" primeiro porque me parece um assunto essencial de se entender (o funcionamento da construção de um autor), mas principalmente porque me parece que sobra pouco mais a dizer do cinema de Dolan para além disso. Afinal, se em linhas gerais minha impressão sobre seu filme de estréia já era muito parecida com o que foi escrito sobre ele por Filipe Furtado no último Festival do Rio, este segundo filme, até por toda a “coerência” em termos de obra de que já falamos, apenas amplia as mesmas sensações. Dolan tem uma sensibilidade adolescente como cineasta, em tudo de pior que este termo pode ter: tudo nele parece calculado para criar uma determinada imagem, reciclando influências do jeito mais preguiçoso possível (Wong Kar-wai particularmente parece diluído em litros de água cinematográfica), enquanto julga tudo isso muito chique (no que sua aprovação por parte dos festivais só faz aumentar o sentimento de estar no caminho certo). O curioso é que Dolan trata das relações amorosas e humanas com a profundidade de um pires e a chatice típica de um menino de 13 anos, embora seus personagens, e ele mesmo, por mais novos que sejam, já passaram dos 20 anos - e isso devia fazer alguma diferença, afinal. No entanto, como ele faz isso com um certo know how de estilo e auto-promoção, aí está a fórmula: temos um auteur. Não é o primeiro nem será o último a nascer e se manter basicamente em torno de perfumarias - que, como se sabe, é artigo muito importante na França.

Maio de 2010

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