Os Infiltrados (The Departed),
de Martin Scorsese (EUA, 2006)
por Leonardo Mecchi
Sobre espelhos e ratos
Muito já foi dito sobre Os Infiltrados
ser o retorno de Scorsese ao filme de máfia, gênero que ele ajudou
a definir com obras como Os Bons Companheiros e Cassino.
Entretanto, mais do que o retorno do diretor a um possível porto
seguro, trata-se de uma tentativa de atualização de um gênero
que, hoje, já se encontra devidamente estabelecido não apenas
no cinema americano, como no asiático – como deixam claros filmes
como Eleição, recentemente exibido por aqui, e Infernal
Affairs, filme do qual Os Infiltrados é um remake
(o que, aliás, levanta interessantes discussões sobre a questão
de influências e originalidade no cinema contemporâneo, num jogo
de duplos e espelhos que remete à própria estrutura do filme -
Eduardo Valente comentou um pouco a relação
do filme com o cinema de Hong Kong).
No universo de Os Infiltrados, o que está
em jogo não é mais a disputa pelo poder ou por territórios, mas
sim o acesso à informação – o bem mais precioso em uma realidade
construída em torno de aparências e dissimulações. Pupilos são
criados por ambos os lados com o único objetivo de se infiltrarem
nas entranhas do inimigo, de modo sempre a conseguirem informações
privilegiadas, não importando a que custo. E essa ausência de
escrúpulos na obtenção de informações não se restringe apenas
aos que operam fora da lei. “Eu amo o Ato Patriótico!”, exclama
o agente do FBI ao saber que podem monitorar as ligações telefônicas
do grupo de Frank Costello sem a necessidade de passar pelos trâmites
legais. Essa crítica aguda de Scorsese à atual política norte-americana
(também ela construída em torno de aparências e desinformações)
se estende ao longo de todo o filme, até sua derradeira imagem,
onde, após caírem um a um todos os que faziam da dissimulação
uma forma de vida, a câmera enquadra a Assembléia Legislativa
e sua cúpula dourada, enquanto um rato atravessa a tela. Alegoria
explícita de Scorsese para sua visão sobre a origem e razão de
toda a devassidão que vimos ao longo da projeção.
Com a informação sendo esse bem tão valioso (um
dos temas também do recente Miami Vice), não surpreende
que a arma mais empunhada de ambos os lados desta guerra seja
o celular, permitindo a comunicação instantânea e ininterrupta
entre os infiltrados e suas bases. De volta à temática urbana
e contemporânea, Scorsese inscreve a tecnologia como um dos fatores
determinantes desse ambiente.
Este conceito fica claro em uma das seqüências
mais bem encenadas do filme: a da venda de microprocessadores
aos chineses. Como reflexos se multiplicando em uma sala de espelhos,
diversos interesses estão em jogo nessa operação: o FBI tentando
desmontar a negociação com os chineses, a polícia buscando descobrir
quem é o agente de Costello infiltrado em sua operação, Sullivan
sondando o rato no grupo de Costello: um teatro de aparências
onde cada parte sabe que está sendo observada ao mesmo tempo em
que observa. Dessa forma, acompanha-se em tempo real uma tensa
disputa onde, através de celulares, mensagens de texto, escutas
e câmeras escondidas, busca-se uma informação, uma única imagem
que permita desmontar toda a encenação e descobrir a verdade por
trás das máscaras. A tecnologia como mediadora entre a informação
e o poder: esse parece ser o verdadeiro tema de Os Infiltrados.
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