Sem caixas-pretas
por Cléber Eduardo e Eduardo Valente

Falávamos no editorial de dezembro de 2006 sobre os nossos votos de que, nos 12 meses de 2007, Cinética cumpra o objetivo de estreitar laços com agentes do cinema,  viabilizando, nas páginasda revista, a construção de uma plataforma privilegiada, empenhada na troca de visões entre instâncias aparentemente isoladas em suas ilhas. Pois não imaginávamos que os desejos se cumpririam tão rápido:  mal entramos no ano, ainda retrospectando 2006, e recebemos reações intensas.  

Entre as mais positivas, temos a "contra-crítica" do jovem cineasta André Francioli, que nos enviou sua resposta à crítica sobre Aranhas Tropicais, publicada na cobertura do festival de Santa Maria da Feira. Em vez de desautorizar o crítico e seu texto, em vez de questionar a própria necessidade de existência da crítica, em vez de reproduzir o comportamento de muitos realizadores (para quem boas críticas são apenas aquelas infestadas de adjetivos positivos quando se referem a seus filmes), Francioli preferiu entrar na dança, sem sair pisando nos pés, e incorporou o espírito procurado por Cinética. Um espírito de discussão – eventualmente cruel, se necessário for, mas generoso acima de tudo, necessário antes de mais nada. Entendemos a crítica como um gesto de generosidade e necessidade, que nos leva a investir horas e horas de nosso dia a refletir sobre as criações alheias, a instalar-se nelas, a tentar entendê-las em um processo mais amplo de cinema e de cultura, sempre com a generosidade de compreender os mecanismos do mundo do outro (e nosso também, a partir do contato com esse mundo), com a necessidade de fazer dos textos uma forma de ecoar o cinema fora da sala e na vida.

A reação de Francioli inspirou um agitado debate entre os redatores de Cinética, com visões complementares ou em franca oposição, sobre seu curta Aranhas Tropicais e sobre os próprios critérios de avaliação e reflexão. Este material, que publicamos agora, mostra o quanto a própria redação pode ser plural, sem com isso se tornar menos coesa. Francioli nos diz em sua carta que, assim como os realizadores, os críticos também devem poder ser criticados. Não poderíamos deixar de concordar com isso. Tanto que, não por acaso, ressuscitamos também, nesse começo de ano, a coluna Conexão Crítica, espaço onde nós mesmos queremos dialogar com os outros críticos, apre(e)nder seus critérios, verificar do que a crítica está falando e como está analisando/julgando – sem com isso necessariamente julgar nossos colegas, mas, sim, estabelecendo uma relação com suas estratégias de abordagem.

Também começamos a sentir bem cedo as primeiras respostas a nossa decisão de aceitar o desafio de fazer a curadoria de um grande festival de cinema brasileiro – a Mostra de Tiradentes. Desafio não somente pelo trabalho árduo, mas, principalmente, por sabermos o que representa nos expor de maneira inequívoca, assumindo um processo de seleção como este – onde para cada filme escolhido, tantos outros são recusados. Para conduzir esse processo com a maior transparência possível, publicamos uma entrevista em que abrimos ao máximo o raciocínio por trás da seleção, os critérios da curadoria, as questões que quisemos levantar. Temos a convicção de que este processo de selecionar, de organizar e de propor reflexões é um trabalho necessário, independentemente do ônus: as reações daqueles não incluídos na programação. Estas reações são bem vindas, porque não achamos que todos devam concordar com nossos critérios - mas fazemos questão que os conheçam e discutam com eles. A nosso ver, seja na formulação de um pensamento crítico ou nas escolhas de uma curadoria, não deve haver caixas-pretas no que se refere a assuntos como este.

Leia também nossos editoriais anteriores.



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