Ano excepcional ou ano de exceção? por
Eduardo Valente e Fábio Andrade O ano de 2009
foi excepcional para o cinema brasileiro – ou , pelo menos, foi o que lemos nas
análises oficiais da Ancine e nas matérias da grande imprensa onde os números
(particularmente os que se relacionam com dinheiro) se confirmam cada vez mais
como a grande, e quase única, medida de sucesso usada para se falar de cinema
no mundo hoje. Mas, se este for o critério principal, quem sabe a história mostre
que, se 2009 foi excepcional, talvez o tenha sido mesmo é no outro sentido do
termo (assim como já havia sido o caso de 2003): o da exceção, de algo que não
necessariamente se mostra como parte de um processo e sim como fenômeno único
e difícil de repetir. Porque, convenhamos, há muito pouco sendo construído de
verdade e palpável no sentido de uma indústria de cinema que realmente se pense
como tal no Brasil. E, por isso, assim como em 2003 houve Cidade de Deus,
Lisbela e o Prisioneiro e Carandiru no mesmo ano, em 2009 houve
o fenômeno Se Eu Fosse Você 2 – e assim como os primeiros não se repetiram
por um tempo, não parece provável esperar viver de um outro fenômeno único de
bilheteria como foi este último. Por isso tudo, talvez caiba
olhar para o cinema nacional do ano passado com olhos mais realistas, e aí, se
for este o caso, o todo que vimos em exibição nos cinemas esteve longe de ser
animador. Claro que qualquer cinematografia, quando vista no seu todo, será desigual,
com um menor número de obras que realmente nos movam profundamente no sentido
artístico e estético. No entanto, a verdade é que 2009 pareceu particularmente
desinteressante em comparação com os anos anteriores, com apenas um filme (Moscou,
de Eduardo Coutinho) tendo mobilizado de fato a redação da revista de maneira
mais profunda – e quase unânime. Anos anteriores haviam visto três, quatro, até
cinco filmes mexendo com os redatores ao ponto de motivá-los vários textos e desejos
de voltar a eles ao longo do tempo. Não foi o caso neste ano, e aí sim ficamos
torcendo para que tenha sido algo excepcional – de exceção, portanto. Falamos
aqui, é verdade, do cinema que chegou até as salas comerciais, o que cada vez
mais é um recorte complicado, por incompleto, e aí não falamos só no cinema nacional.
Tanto que este ano optamos por nem fazer um balanço retrospectivo dos melhores
filmes lançados nos cinemas do Brasil em 2009, pois a verdade é que, nas conversas
dentro da redação, percebemos com clareza que as listas pessoais, geralmente bastante
idiossincráticas e cheias de discordâncias, iam sempre no mesmo caminho, repisando
algumas mesmas teclas já bastante exploradas por nós e transitando quase sempre
por uma mesma lista de filmes (Aquele Querido Mês de Agosto, Amantes,
Inimigos Públicos, Bastardos Inglórios, Entre os Muros da Escola,
Gran Torino, Horas de Verão, Ervas Daninhas, Polícia Adjetivo,
o próprio Moscou... e bem pouco mais). Cada vez mais o circuito comercial
de filmes nos cinemas parece transitar em torno de uns mesmos títulos de interesse,
precisando torcer que eles concorram a um Oscar ou sejam produzidos dentro de
estúdios para serem lançados no Brasil, deixando espaço mais e mais largo para
que a internet se torne o lugar do contato com um cinema que nos desafie de fato
(e aí não deixa de ser interessante que 2010 tenha começado justamente com uma
mostra como a Zona Livre, que se propõs a levar ao cinema do CCBB-RJ filmes descobertos
pela web). Por isso tudo é que faz muito sentido que, quando
fomos montar uma pauta em torno dos nossos afetos mobilizados pelo cinema em 2009
(brasileiro, principalmente), nos abrigamos naquele que ainda é o mais anti-comercial
dos formatos: o do curta-metragem. Pois, ao mesmo tempo em que os
longas nacionais e do circuito de cinema nos desanimaram durante boa parte
do ano, o acompanhamento bastante próximo de alguns festivais dedicados ao curta
revelou uma safra nacional particularmente forte, que ainda estávamos bem longe
de ter explorado devidamente aqui nas páginas da Cinética. Este olhar que agora
jogamos sobre os curtas brasileiros
da safra 2009/2010 não deixa de ser um alento, e a crença de que talvez venhamos
algum dia a ter um cinema realmente excepcional, e não apenas de exceções. *
* * Em todos os seus sentidos, "excepcional" também
parece um termo adequado para falar do ano que vivemos em 2009 na Cinética. Afinal,
por um lado este foi um ano em que tivemos um aumento bem firme da participação
da revista nos principais eventos do calendário do cinema brasileiro, tendo coberto
pela primeira vez de maneira oficial festivais tão diferentes como os de Gramado,
Brasília, Paulínia ou o Cine Esquema Novo e o Festival de Curtas de BH. Por outro
lado, tivemos um ano que nos deu mostras especialíssimas como as dedicadas ao
cinema de Marguerite Duras, Stan Brakhage ou Chantal Akerman, para ficarmos apenas
em três exemplos que mobilizaram bastante a nossa redação, e nos trouxeram a ver
nas salas uma enormidade de títulos antes inéditos nos nossos cinemas. Ambos
os casos seriam, e foram, ótimas notícias para a revista e nossos leitores, pois
permitiram um acompanhamento bem próximo de eventos que geraram uma série de textos
importantes. No entanto, a verdade é que, somados a eventos já tradicionais no
nosso calendário de trabalho (como os festivais do Rio e de Cannes e as mostras
de SP e Tiradentes) e a sempre premente necessidade de cobrir o circuito de cinemas,
este verdadeiro excesso de demandas do calendário “oficial” do cinema acabou colocando
a revista em 2009 por demais em função destas atualidades. Se parte de um processo
maior, isso seria genial, mas a verdade é que em 2009 a revista teve dificuldade
em conseguir dar conta de todos estes eventos e ainda produzir textos em todas
as outras seções que gostaríamos de manter vivas, sempre - inclusive nossos editoriais.
O fato é que trabalhamos ainda (e sempre?) com uma equipe absolutamente
voluntária na sua produção, e que este ano passado esteve envolvida com o nascimento
de muitas outras coisas – entre elas alguns bebês, outros tantos filmes, uma sessão
cinética mensal, além de teses de doutorado e dissertações de mestrado.
Por isso tudo, entramos em 2010 sabedores de que nosso grande objetivo no ano
é ajustar o cumprimento destas demandas que nós mesmos fomos criando ao longo
dos anos com aqueles outros objetivos que nos levaram a criar a revista, como
por exemplo retomar com mais frequência as entrveitsas e visitas da nossa
Inter-seção, o que já fazemos agora com um papo
com o português João Pedro Rodrigues.
Não será
coisa fácil de se fazer, sabemos. Mas tentando começar a cumprir o objetivo, entramos
o ano com uma nova dinâmica interna, tanto com a criação de um conselho editorial
para nos manter sempre atentos a ausências e desejos a serem cumpridos; como com
a alteração da composição editoria da revista (que pode ser notada
com as novas assinaturas presentes no alto deste editorial). Ambos são ajustes
devidos principalmente às possibilidades de tempo e dedicação aos afazeres
da revista, que se dão num clima de total tranquilidade e de um grande desejo
de renovar as energias. Esperamos que os leitores respondam às nossas tentativas
e inquietudes, porque sem eles não vale muito a pena sequer pensar nisso tudo.
Vamos ao ano, então! Leia também
nossos editoriais anteriores.
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