Revista Cinética Cultura e Pensamento
Espectros do anjo e política da imagem
Raul Antelo Ensaios Críticos

Une definition de l´homme de notre point de vue spécifique pourrait
être que l´homme est l´animal qui va au cinéma.

Giorgio Agamben – “Le cinéma de Guy Debord”

O crítico italiano Franco Rella, grande leitor de Benjamin, vê, no anjo, um indício do sublime contemporâneo, entendido como diferença. L’angelo indica il luogo della differenza, che è la meta stessa del nostro pellegrinare. Quel luogo invisibile sulla terra, perché le nostre abitudini percettive e cognitive rendono tutto uniforme. Eppure questo mondo esiste da qualche parte. (...) Questo luogo è quello di una bellezza che è enigma, della bellezza nuova e terribile” [1] . Analisando Blade Runner, por exemplo, Rella chegou a ver os re­plicantes como autômatos sem passado, dotados de uma vida bre­víssima e, mesmo assim, de uma força e de uma beleza sublimes. São anjos.

Son los ángeles de la modernidad, por­tadores de un mensaje, dicho el cual desaparecerán en la nada, como los demás ángeles de la modernidad, de los que está llena la obra de Klee o la de Benjamin. El mensaje no tiene fácil desciframiento. Primero será intuido y después comprendido por el eliminador, por el hombre que ha recibido el encargo de resolver esta amena­za, sacrificando a los portadores de la desviación y del des­plazamiento a la norma y al orden. A medida que la cacería avanza, el eliminador descubre que los ángeles buscan su propia salvación y con esto entre­gan al hombre el mensaje de una salvación posible. En efec­to, ellos procuran sobrevivir intentado construirse un pasado y un futuro. Pero su búsqueda es una sola, y destinada a la derrota. Las fotografías y los documentos que recogen como propio pasado son de otros, y al no serles concedido su pa­sado —nacen adultos, y programados para cuatro años de vida, para que su fuerza no les confiera poder sobre los hombres—, tampoco se les concede el futuro. El último, be­llísimo, desnudo, azotado por la lluvia sobre la cima de un rascacielos, que es como una torre de Babel erguida en la noche, advierte su propia muerte y con ella el final definiti­vo: a nadie podrá comunicar, traspasar, el azul que un día llegó a ver, a nadie podrá entregar su visión de las estrellas que están más allá de la oscuridad. Así pues, su ansia de futuro no era ansia de poder. Pero ¿qué otro destino puede tener el hombre de la metrópoli, en la que ha perdido hasta su propio lenguaje? ¿Qué relación puede tener con el pasa­do, si éste no es más que un cúmulo de desplazamientos polvorientos y siniestros? ¿Y qué futuro, si nada es visible más allá del horizonte negro, que el cielo de la metrópoli dibuja como una frontera infranqueable? [2]

A paisagem que os anjos iluminam, com seu súbito aparecimento e seu não menos imediato sumiço, é a da evanescência das coisas no mesmo nada do qual antes surgiram. Nessa linha de raciocínio, que vê o anjo como catalisador da experiência de ruptura, logo em 1925, em seu primeiro livro, Inquisições, Borges atribuía ao anjo, deus apolíneo do devir, a potência de transformar o mundo. Um ano depois, em O tamanho de minha esperança, Borges ensaiaria uma genealogia do anjo. Encontra-o no Livro de Job, em Isaias, na Revelação de São João, no Islã, na hierarquia celestial de Dionísio, na poesia de Alexander Pope, que chama o anjo the rapt seraph, o serafim absorto, alguém que é, simultaneamente, passivo e ativo: arde e adora. Borges não esqueceu do teólogo luterano Richard Rothe, nem de Erich Bischoff, que por sinal lhe ensinou também que os cabalistas usaram, fartamente, dos anjos, e até tirou da Literatura rabínica, de John Peter Stehelin, a idéia de que as letras correspondiam-se com determinadas regiões celestes. A primeira dessas letras, aleph, denomina a cabeça, o céu de fogo, o Nome e até mesmo um serafim igualmente chamado Besta Sagrada.

Nessa fisiologia do Leviatã, verdadeira genealogia do estado de exceção contemporâneo, começa a se desenhar a impronta do homo sacer. Detenhamo-nos, porém, numa etapa intermediária, no dicionário crítico da revista Documents, espaço onde o crítico alemão Carl Einstein desenvolve a teoria da pintura como linguagem ou onde o editor em chefe do periódico, Georges Bataille, aprofunda suas pesquisas em torno do conceito de soberania. Nesse dicionário, que prefigura aliás a proposta da enciclopédia acefálica Da Costa (1947), para não dizer as posteriores elaborações de Foucault à respeito da classificação enciclopédica como disparate biopolítico, Michel Leiris define os anjos, em 1930, como aquelas entidades que facilitam o acesso ao absoluto. Reparemos nas ilustrações do verbete, estampado no número 6 da revista Documents. Há aí uma previsível gravura de um códice espanhol do século XII, mas há também um fotograma do filme The Green Pastures, baseado na peça de Marc Connelly, em que o ator negro Wesley Hill interpreta o arcanjo Gabriel. Um anjo negro a quem, mais do que lira, lhe caberia um banjo.

O anjo, como a seguir veremos em Walter Benjamin, alguém muito próximo, naqueles anos, de Benjamin e Leiris, era um ser interpretado como fator de redenção. Tanto nas Teses sobre filosofía da história como no Fragmento político-teológico, Benjamin propõe, com efeito, que o Reino não seja considerado como o telos da dynamis histórica e, portanto, também não seja proposto como meta, porém, como final, daí a necessidade de que o conceito crítico de profanação, mais tarde ativado por Agamben, vise, não exatamente ao Reino divino, mas à felicidade, que seria o conceito chave para a decadência de tudo quanto pertence à ordem terrena.

No cinema latino-americano do após-guerra, o anjo também funciona, de modo particularmente pungente, como um indício dessa visada apocalíptica que é inerente à nova cultura de massas. Comecemos o percurso em 1956. Naquele ano, a escritora argentina Beatriz Guido publica um romance, La casa del ángel, para o qual, logo em seguida, comporia também o roteiro, junto ao diretor do filme, Leopoldo Torre Nilsson, quem, por sinal, já abordara o mesmo tema, a vingança angélica e feminina, em um filme anterior, Dias de ódio (1954), uma versão de “Emma Zunz”, o conto de Borges. La casa del angel nos coloca um problema teórico muito importante, a necessidade do anacronismo para uma história que queira desmontar os pressupostos biopolíticos da vida disciplinada. O crítico Gonzalo Aguilar afirma que esse filme é a obra de Nilsson em que a temporalidade está mais cindida entre o presente do relato da protagonista e o passado do flash-back narrativo, “tal vez porque es la más cercana a la caída del peronismo, tal vez porque la modernidad no se anunció todavía en el horizonte”. Nesse sentido, diz Aguilar, “el presente es el momento no-narrativo, aprisionado por la repetición y el rito vacío (...); y el pasado es la genealogía de ese presente inmóvil. Mientras lo pre-moderno se desarrolla con dramaticidad y cierta progresión narrativa, el presente se encuentra estancado en la repetición”.

Uma das questões técnicas mais relevantes no filme nos ajuda a entender essa questão. É o abandono, no plano musical, da síncrese, em benefício do que poderíamos chamar de anácrise ou anacruse, graças à partitura de Juan Carlos Paz, divulgador, no Prata, das idéias de John Cage [3] . Lembremos que, nesse período, Cage parte das partituras distantemente referenciais, com algum vínculo anedótico, muitas delas compostas para balé (Primitive, 1942; In the Name of the Holocaust, 1942; Totem Ancestor, 1943), e passa para composições mais abertamente abstratas, para piano preparado (Music for Marcel Duchamp, 1947; Works of Calder, 1949-50; as Two Pastorals, de 1952, até o Concerto for Prepared Piano and Orchestra, de 1950-1).

Mas voltemos a La casa del ángel. Dois anos depois desse filme, Beatriz Guido empreeende uma nova alegoria narrativa da Argentina que acaba, justamente, em 1945, com o peronismo: Fin de fiesta, romance que também seria filmado por Torre Nilsson. O texto de Beatriz Guido abre-se, ilustrativamente, com duas epígrafes. Na primeira, Borges traça uma ambivalente cena de zoé. É a estrofe final de um poema de Luna de enfrente, “El general Quiroga va en coche al muere”. A citação diz: “Ya muerto, ya de pie, ya inmortal, ya fantasma, / se presentó al infierno que Dios le había marcado, / y a sus órdenes iban, rotas y desangradas, / las ánimas en pena de hombres y caballos”. Na segunda, o arquiteto neo-barroco Angel Guido, pai da autora, fixa uma premissa da estética violenta da América Latina, chamando o continente – com uma fórmula digna de Alejo Carpentier – “novela de novelistas”. Ambas as apropriações do arquivo cultural latino-americano colocam Beatriz Guido nesse limiar tão ambivalente em que, simultaneamente, encontramos gente como o próprio Carpentier ou Glauber Rocha.

Glauber era um evidente admirador do estilo, como disse Georges Sadoul, simultaneamente, poético e realista, de Torre Nilsson. Numa resenha do que Glauber vira em Cannes 1967, feita em carta ao amigo Alfredo Guevara, temos um eloquente testemunho dessa relação.

O Torre Nilsson de La Muchacha del Lunes surpreende a todos, menos aqueles que já tinham visto no anteriror El ojo en la cerradura um desvio do autor dos temas intimistas para uma realidade social. Mudou Torre Nilsson? Tudo leva a crer que sim. El ojo en la cerradura, apresentado no Festival do Rio em 1965, já fazia críticas ao fascismo. O que limitava o filme era sua linguagem fechada, que diluía o tema político numa reflexão quase metafísica. A crescente onda de agitação política pela qual passa a AL tem provocado crises e manifestações até mesmo no cinema argentino, dentre todos os cinemas latinos, o mais estetizante. Esta modificação viemos a sentir, com definição precisa, em La muchahca del lunes, produção americana, embora o financiador, De Rona, seja um porto-riquenho. TN explicou em sua conferência de prensa que De Rona viveu um drama parecido e, tendo a idéia inicial, o convidou para fazer um filme que ele, De Rona, produziria. Trabalhando a idéia inicial com sua esposa, B. Guido, TN realizou o filme em Porto Rico, com atores americanos, Arthur Kennedy e Geraldine Page. Um furacão ataca Porto Rico e leva ao desabrigo centenas de famílias pobres. Uma empresa americana constrói edifícios em Porto Rico. Os americanos estão na sua ‘fazenda’. O povo morre de fome nas ruas. O americano trata o porto-riquenho como um escravo e, quando o trata com simpatia, o trata com um paternalismo cristão típico do senhor pelo escravo. Com tintas claras e diretas, TN pinta este quadro e não hesita um só segundo em revelar esta relação colonial nos gestos, detalhes e significações. Ataca de frente a inconsciência e o egoísmo dos americanos, embora não os pinte como monstros devoradores de criancinhas, isto é, os coloca como seres humanos, também produtos de uma conjuntura social e econômica. Arthur Kennedy é o americano, pai de família, funcionário da grande empresa, que, dominado pela mulher, vai ao fundo de uma experiência pessoal: sua filha, voluntariosa e deformada, exige que ele vá a um bairro pobre de Porto Rico em busca de uma boneca velha que sua mãe, dias antes, dera como donativo às crianças pobres vítimas do furacão. A mãe dera vários objetos usados, e uma boneca, distraidamente. Pois é em torno desta boneca (solução talvez um pouco prosaica) que o filme se conduz. Seguindo os caminhos da boneca, acompanhado pela família, o americano descobre a falta de sentido daquela sua ação e percebe, entre os nativos esmagados, os traços de seres humanos. Moralismo? O filme é ambíguo no final. O americano estaria redimido pela experiência? A estrutura psicológica dos personagens para uma forma acabada de melodrama limita La muchacha del lunes  como filme político. Os dados políticos sobram nos detalhes. Torre Nilsson, mudando de tema, não perdeu o seu toque de cinema de atmosfera e sua linguagem, por isto, continua carregada de símbolos abstratos que, sem apoio em realidades, se diluem arbitrariamente. Mas, mesmo assim, este filme já possui uma flexibilidade maior do que os outros: é mais aberto, mais dinâmico e agressivo. Em alguns momentos, de grande violência. Mas até que ponto foi esta violência ou até que ponto a acusação se mantém? O filme não dá resposta, embora o final possa parecer também violento. [4]

Apesar da cobrança de um sentido inequívoco, não-alegórico, diríamos, entretanto, que tanto Nilsson como Glauber preparam nossa sensibilidade para uma estética pós-autonômica. Como artistas diaspóricos, de clara fusão contrarreformista, tendem a pensar a cultura, a partir da imagem, como pathos. É dessa vertente que se obtêm alguns filmes posteriores de Glauber, como o projetado América Nuestra (que forneceria subsídios para Terra em transe, também de 1967, e A Idade da Terrra, de 1979) ou o censurado História do Brasil (1971-4), filmado, de fato, a partir de arquivos cinematográficos, em Roma e Havana [5] .

Destaquemos, porém, que Torre Nilsson, esteticamente um bastardo, um in-fans, não age sozinho: constrói La casa del ángel a partir do relato de sua mulher. Ela, por sua vez, que dedica a obra “a mi padre”, o arquiteto fusional neo-barroco, denuncia, no romance, a opressão da protagonista no interior da casa paterna, a casa de um político conservador. La casa del ángel é também la casa de Ángel (Guido). Essa será, de algum modo, a casa do casal: a produtora dos filmes de Nilsson e Guido chamar-se-á, sintomaticamente, Producciones Ángel. Mais recentemente, ainda, em 1998, o filho de Nilsson, o também cineasta Pablo Torre, filmou uma outra história, quase homônima, La cara del ángel, em que a casa é um local de torturas e el ángel alude ao angélico rosto de um dos mais conhecidos repressores da ditadura, o capitão Astiz, loiro como a protagonista do filme de Nilsson, cuja beleza perversa foi decisiva para a escolha da atriz, Elsa Daniel, em tudo destoante das ingênuas do cinema argentino de gênero, nos anos 50. O anacronismo, mais uma vez, nos obriga a ler em rede. Lemos, no filme, a ficção de uma arte nacional que se quer independente mas lemos, também, uma ficção familiar narrada como matéria pública e política.

É comum caracterizar essas linguagens fusionais pós-autônomas e frequentemente alegóricas como barrocas. O sentido dessas imagens, tal como no barroco, não nos é dado espontaneamente: ele não é mais definido por símbolos presentes mas por significantes ausentes, a partir dos quais os outros significantes adquirem seu valor simbólico mais duradouro. (É curioso, então, pensar que, por esses mesmos anos, Borges está compondo, com Margarita Guerrero, o roteiro de um balé, hoje completamente extraviado, de título inquietante, A imagem ausente). Seja como for, o fato da leitura depender agora de imagens ausentes faz com que a compreensão dessas imagens do presente não possa ser mais hermenêutica, mas aponte, tão-somente, para uma pura encenação do cotidiano non-sense. Ou, por outra, a realidade que delas se extrai é que se define como o fantasma, ao passo que a estrutura religiosa da realidade da qual provêm torna-se claramente fantasmática, porque ela suplementa a relação sexual, que aliás não existe, daí retirando o efeito de verdade que tais imagens comunicam.

A esse respeito, Jean-Luc Nancy vai nos dizer que o peso restritivo que, a partir do Iluminismo, paira sobre as imagens, obedece, de fato, a uma interpretação, obviamente letrada, que delas se faz. É preciso, para tanto, que a imagem seja pensada como presença fechada em si, não aberta absolutamente a nada e enclausurada, enfim, numa estupidez de ídolo. Daí que não haja, na filosofia e na arte ocidentais, nada mais comum do que o tópico da imagem rebaixada pelo seu caráter secundário, imitativo e inessencial, derivado e inanimado, inconsistente ou enganoso. Ele seria o fruto palpável de uma aliança hegemônica, acertada, no Ocidente, entre o preceito monoteísta e o tema platônico da cópia e da simulação, do artifício e da ausência de original.

De esta alianza proceden, con seguridad, una desconfianza ininterrumpida hacia las imágenes que llega hasta nuestros días, en el seno mismo de la cultura que las produce en abundancia; la sospecha recaída en las “apariencias” o el “espetáculo”, y cierta crítica complaciente de la “civilización de las imágenes”, tanto más, por otra parte, cuanto que de ella provienen, a contrario, todas las iniciativas de defensa e ilustración de las artes, y todas las fenomenologías. [6]

Em sintonia com essa posição, o crítico cinematográfico David Oubiña tem trabalhado, em várias de suas análises, com a noção de um inexistente divórcio, ou até mesmo de uma efetiva relação, entre a singularidade intransferível dos atos e a universalidade abstrata do pensamento, o que nos ajuda a conceber a imagem como um espaço tão vazio quanto estratégico.

¿Qué sucede cuando un movimiento natural, realizado instintivamente por un cuerpo, es capturado por la luz de una conciencia que lo desmonta analíticamente para intentar com­prender su sentido? Planteada en el interior de un filme, esa de­tención es clave, porque interrumpe el flujo afirmativo y automatizado de la cadena de imágenes. Es lo que sucede con Muybridge o Marey, con Bill Viola o Douglas Cordón. Capturada en su propio reverso, en su negatividad, la imagen cinematográfica exhibe su carácter no reconciliado. [7]

E, nesse sentido, a imagem apresenta um inusitado (e nada adorniano) caráter didático, o de ensinar a ver tudo de novo. Ver com olhos livres. O mesmo Oubiña destacara, em outra oportunidade, a existência de duas tendências no cinema independente latino-americano. De um lado, a obra de testemunho direto, exemplificada por La hora de los hornos (1968-9) de Fernando Solanas e, de outro, a política da imagem ilustrada por Alberto Fischermann com The Players versus Àngeles caídos (1969).

En The Players vs. Angeles caídos dos grupos de actores se disputan la posesión de un abandonado set de filmación: cuando llegan los Players (que se reúnen allí para ensayar La tempestad de William Shakespeare), los Angeles caídos se refugian en las galerías altas del estudio mientras planean distintas estrategias para reconquistar el territorio. A partir de esa mínima trama, Fischerman reflexiona acerca de los límites de la creación estética y las relaciones de poder. Como en toda opera prima, las influencias son visibles: Jean-Luc Godard y la nouvelle vague, John Cassavettes y el New American Cinema, Vera Chitilova, Jerzy Skolimowski, Antonioni, Fellini, Bergman, es decir un grupo heterogéneo de poéticas que, a fines de los 60, constituían la modernidad cinematográfica. En ese contexto, La tempestad actúa como fundamento teórico, porque lo que Fischerman lee en Shakespeare es el conflicto entre las realidades ilusorias que convoca el arte y los vanos deseos del artista por producir una intervención sobre el mundo. [8]

É o que, incessantemente, nos mostra o cinema de Jean-Luc Godard. Mas, a esse respeito, cabe lembrar os argumentos de Alain Badiou, quem contesta a idéia, tantas vezes repetida, de que a questão da estética godardiana seria descobrir a genea­logia da potência do cinema. Muito pelo contrário: a seu ver, um “filme” como Historia(s) do cinema, sem sombra de dúvida, o opus mais representativo de Godard, é tão somente uma prática do mais-de-ver ativado pelo cineasta, graças a uma estética obcecada tanto pela potência quanto pela impotência das imagens.

Lo imposible de filmar acosa a Godard desde siem­pre: la fábrica, el sexo, el exterminio. De tal suerte que ese in­menso palimpsesto, el "filme", apuntaría a circunscribir, con los recursos acumulados de la omnipotencia (...), el punto de impotencia que es, al fin, todo el real del cine y la razón últi­ma de su disipación. De allí también el estatuto ambiguo de los libros, que en el "filme" Godard saca de su biblioteca y de los que cita títulos y fragmentos. A la vez, el conglomerado de la po­tencia los incorpora, los mezcla, los inscribe en la polifonía y su­bordina su fuerza por doquier a aquella de la cual es capaz el ci­ne, tanto por el recurso del público al que se dirige (...), como por la gravedad real del montaje de las ficciones (...). Eso a la vez sugiere que los libros se mantienen en reserva, que su visibilidad es sólo aparente, y que esa disponibilidad en retirada de lo escrito monta quizá, junto a lo real, una guardia más segura que la de las imágenes. O, también: una totalización sinfónica. Una "restitución ínte­gra del pasado", no por los medios de la cita o de su narración, sino por los medios, combinados, de una desarticulación temáti­ca (...) y de una contracción local, que reúne en un punto todas las interpretaciones disponibles. [9]

Nesse ponto indecidivel que, segundo Badiou, aproxima Godard da estética aleatória de Mallarmé, em Um lance de dados, atingimos o cerne da ciência da montagem, transformar o "filme" em um entretien infini, uma conversa multiforme agenciada por um deus, ou ativada por uma polifonia como as da Renascença, que “sólo está allí para hacer desear su suspenso, como acechamos, en el mundo devastado, los signos dispersos y casi imperceptibles de una paz superior”. Nesse sentido, segundo Badiou, poder-se-ia postular um certo platonismo anárquico em Godard já que, no seu "filme",

la imagen no remite nunca a un referente; todo mimetis­mo está excluido. La imagen es más bien la separación entre ella misma y el pueblo entero de lo que tiene lugar en lo visible o en el decir. El "filme" es el movimiento de esas separaciones super­puestas, entrelazadas. El cine tiene por vocación—como se pro­nuncia—vincular, relacionar lo que habitualmente no está rela­cionado, precisamente porque puede acercar, hacer entrar en consonancia, tramar polifónicamente, por el recurso mismo de la separación [10] .

Assim sendo, cabe então perguntar-se qual é, afinal de contas, o estatuto da imagem quando ela não reproduz nada, mas tão somente separa-se, sinteticamente, de todas as outras, em nome de uma in­visível justiça do visível? Onde habita o anjo? Qual é a casa do anjo? Como reativar o jogo entre the players e os ángeles caídos? Para Badiou,

la organización serial del "filme", su aplastante sutileza en los detalles, su movilidad táctica, componen los medios de una nueva elevación hacia la esencia, de la cual algunos planos suspendidos (....) proporcionan el símbolo, y cu­yos constantes recursos a las inscripciones abstractas son como los postes indicadores, o los resúmenes que un Sócrates converti­do a la esencialidad de la imagen daría a sus jóvenes oyentes, a los que tanta sofística aparente desvía [11] .

Referências bibliográficas

BADIOU, Alain. El plus-de-ver. In Yoel, Gerardo (ed.). Pensar el cine 2. Cuerpos(s), temporalidad y nuevas tecnologías. Buenos Aires: Manantial, 2004, p.275-281.
NANCY, Jean-Luc. La representación prohibida. Trad. M. Martínez. Buenos Aires: Amorrortu, 2006.
OUBIÑA, David. Una juguetería filosófica (Eadweard Muybridge, Jean-Luc Godard, Bill Viola y asociados). In: Yoel, Gerardo (ed.) Pensar el cine 2. Cuerpos(s), temporalidad y nuevas tecnologías. Buenos Aires: Manantial, 2004, p.211-222.
______________. Políticas de la imagen: cine independiente en la Argentina de los 60 a los 90. In: Margens / Márgenes, Belo Horizonte, Buenos Aires, Mar del Plata, Salvador, nº4, 2003.
RELLA, Franco. L’angelo e la sua ombra. Rivista di estetica, Torino, nº29-31, 1989.
_____________. Metamorfosis. Imágenes del pensamiento. Trad. J. Jordá. Madrid: Espasa-Calpe, 1989.



[1] Cf. RELLA, Franco. “L’angelo e la sua ombra”. Rivista di estetica, nº 29-31, Torino, 1989, p.122.

[2] RELLA, Franco. Metamorfosis. Imágenes del pensamiento. Trad. J. Jordá. Madrid: Espasa-Calpe, 1989, p.118.

[3] Numa análise muito acurada, Aguilar afirma que “como a Torre Nilsson y a Beatriz Guido no les interesaban los sentimientos femeninos sino la mirada femenina, no es casual que hayan buscado una música que acentuara el distanciamiento y la no identificación entre música e imagen y ya solo este motivo explica que hayan recurrido a uno de los músicos argentinos de vanguardia más importante de ese entonces: Juan Carlos Paz. Músico erudito y conocedor de las corrientes más actuales de la música contemporánea (en los años en los que componía para Nilsson, estaba escribiendo Arnold Schoenberg o el fin de la era tonal), Paz había polemizado con el nacionalismo musical y se reconocía en los aportes de la escuela vienesa y en la innovación norteamericana (fue el primero en hablar extensamente sobre Yves y Cage en nuestro país con su libro Introducción a la música de nuestro tiempo de 1955). La elección de Paz venía a resolver de un solo golpe varios de los inconvenientes que le interesaba despejar a Torre Nilsson. Desde el punto de vista de la musicalización propiamente dicha, la orquestación (hecha, en contra de lo que se estilaba en el cine nacional, con pocos instrumentos) corrompía lo que Michel Chion llamó “síncresis” (una suerte de diégesis audiovisiva) (...). Pero en función de lo que sucede en términos de estética del cine, la estrategia básica de Torre Nilsson consistió en trasladar propiedades de otros campos (música, literatura) al campo del cine”. Cf. AGUILAR, Gonzalo. El fantasma de la mujer (Sobre La casa del ángel de Torre Nilsson), manuscrito inédito. Ver, do mesmo autor, Otros mundos. Un ensayo sobre el nuevo cine argentino. Buenos Aires: Santiago Arcos Editor, 2006.

[4] Cf. ROCHA, Glauber. Cartas ao mundo. Ed. Ivana Bentes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 272-3. Nesse mesmo ano Glauber publica uma matéria, nos Cahiers du cinéma, em que observa que “se a literatura de Borges/Cortázar precede muitas experiências do nouveau roman, nem por isto o tempo conseguiu se articular (ou não) nos filmes pré-resnaisianos. Solitário, o cinema argentino descobriu o Estilo antes da História” e por isso pensava, drasticamente, que qualquer personagem de Torre Nilsson, “disciplinado num universo difuso em Bergman”, nada consegue além da disciplina. Cf ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Pref. Ismail Xavier. São Paulo: Cosacnaify, 2004, p. 105. Por esse mesmo motivo, Glauber defendia, contra toda corrente de esquerda iluminista, os filmes épicos de Nilsson, como Martín Fierro e até mesmo o pedagógico El Santo de la Espada, a biografia de San Martín da autoria de Ricardo Rojas. Eles representavam o testemunho da história.

[5] Em outra carta a Alfredo Guevara, datada de agosto de 1967, em Roma, Glauber Rocha sintetiza a sua posição: “Creio que um filme POLÍTICO deve ser também um ESTÍMULO CULTURAL E ARTÍSTICO. E para nós, latinos, que somos colonizados cultural e economicamente, o nosso cine deve ser revolucionário do ponto de vista político e poético, isto é, temos de apresentar IDÉIAS NOVAS COM NOVA LINGUAGEM. America nuestra não pretende ser um filme DIDÁTICO mas um COMÍCIO, UM FILME DE AGITAÇÃO, UM DISCURSO VIOLENTO e também uma prova de que, no terreno da cultura, o homem latino, liberado da opressão colonizadora, pode CRIAR. Tenho muita fé neste filme, é a única coisa que QUERO E POSSO FAZER, acho que será uma contribuição para a Guerra geral das Américas e estou disposto a assumir todos os riscos e conseqüências para fazê-lo. Procurarei Carpentier em Paris”. Cf. ROCHA, Glauber. Cartas ao mundo. Org. Ivana Bentes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.293.

[6] Cf. NANCY, Jean-Luc. La representación prohibida. Trad. M. Martínez. Buenos Aires: Amorrortu, 2006, p.26-7.

[7] Cf. OUBIÑA, David. Una juguetería filosófica (Eadweard Muybridge, Jean-Luc Godard, Bill Viola y asociados). In YOEL, Gerardo (ed.). Pensar el cine 2. Cuerpos(s), temporalidad y nuevas tecnologías. Buenos Aires: Manantial, 2004, p.211-222.

[8] Cf. OUBIÑA, David. Políticas de la imagen: cine independiente en la Argentina de los 60 a los 90. In: Margens / Márgenes, Belo Horizonte, Buenos Aires, Mar del Plata-Salvador, nº4, 2003, p.87. Sobre Alberto Fischerman, ver também SARLO, Beatriz. La máquina cultural. Maestras, traductores y vanguardistas. Buenos Aires: Ariel, 1998, p.271-292.

[9] BADIOU, Alain. El plus-de-ver. In: YOEL, Gerardo (ed.). Pensar el cine 2. Cuerpos(s), temporalidad y nuevas tecnologías. Buenos Aires: Manantial, 2004,p.275-281.

[10] BADIOU, Alain. El plus-de-ver. In: YOEL, Gerardo (ed.). Pensar el cine 2. Cuerpos(s), temporalidad y nuevas tecnologías. Buenos Aires: Manantial, 2004,p.275-281.

[11] BADIOU, Alain. El plus-de-ver. In: YOEL, Gerardo (ed.). Pensar el cine 2. Cuerpos(s), temporalidad y nuevas tecnologías. Buenos Aires: Manantial, 2004, p.275-281.

Raúl Antelo é professor titular de literatura brasileira da UFSC. Pesquisador-senior do CNPq, foi Guggenheim Fellow e professor visitante nas Universidades de Yale, Duke, Texas at Austin e Leiden, na Holanda. Presidiu a Associação Brasileira de Literatura Comparada e integra a diretoria da Asociación Española de Estudios Literarios Hispanoamericanos. É autor de diversos livros publicados no Brasil e no exterior.