in loco
Antes do Festival: dicas e expectativas
por Eduardo Valente
A cena se repete todo ano: no sábado antes
do Festival do Rio começar, sai o suplemento especial do
jornal O Globo com toda a programação e os filmes
do evento. Decepções e ausências, sempre há
(aqueles filmes sobre os quais se lê em sites ou
revistas internacionais, e que nunca passaram no Brasil), mas
mesmo assim a excitação quase desesperadora do cinéfilo
(e do crítico) é o sentimento mais forte: como dar
conta de tudo aquilo que se quer ver, em apenas duas semanas?
(Vá lá, três com a repescagem)
As opções de programação são
variadas: há aqueles que preferem priorizar os clássicos
(este ano a mostra de Luchino Visconti faz a alegria destes),
há os que ignoram os brasileiros (com a lógica,
nem sempre certa, de que logo estréiam), há os que
só pegam os sem legendas em português (também
um golpe arriscado, já que em vários anos anteriores
filmes legendados foram direto para DVD enquanto outros foram
comprados e lançados em cinema depois do Festival - aliás,
justamente por esta variação grande de confiabilidade
de informação, não vamos aqui fazer o jogo
de listar os filmes que vão estrear depois, embora haja
sim estréias garantidas para logo como Volver, As
Torres Gêmeas ou Os Infiltrados). Vale sempre
se ver aquilo que mais se quer ver, e pronto. Como única
dica, fica a de que tudo que passa nos cinemas Leblon, Paissandu
e Roxy já são filmes com distribuidoras no Brasil
- agora, quais deles acabam sendo lançados e em quais datas,
é mais difícil precisar.
Seja qual for a opção do leitor, ele sempre busca
uma luz, qualquer informação que o ajude a montar
sua programação. Bom, vamos tentar ajudar, dividindo
aquilo que já vimos/ouvimos.
Cannes no Rio
O Festival deste ano quase esgotou a Competição
do Festival de Cannes: dezesseis dos vinte filmes concorrentes
estão programados (aos sempre insatisfeitos: dos quatro
não programados, um está já confirmado na
Mostra de São Paulo - Iklimler, de Nuri Bilge Ceylan;
um foi colocado em "remontagem" depois de Cannes e não
foi mais visto - Southland Tales; e os franceses Selon
Charlie e La raison du plus faible ainda não
deram as caras mesmo). Todos os filmes que ganharam prêmios
do júri oficial passam no Rio, e ainda alguns que não
ganharam, mas causaram sensação. Os números
são menos generosos nas outras seções do
Festival: da Un Certain Regard são exibidos somente 7,
dos 23 longas; da Quinzena dos Realizadores, chegam 6 de 25 (mas,
um dos 6 é o ganhador da Camera D'Or); da Semana da Crítica,
só 3 longas exibidos em sessões especiais. Além
destes, chegam alguns filmes exibidos fora de competição
em Cannes, como os restaurados filmes de Alejandro Jodorowski
(que são, desde já, uma aposta certa) ou Zidane,
Um Retrato do Século XXI, filme que só ganhou
interesse com a participação de Zizou na Copa -
tema de textos aqui na revista.
Como Cinética teve uma cobertura de Cannes deste ano, aproveitamos,
então para relembrar e passar ao leitor algumas impressões
daquele primeiro confronto com vários filmes agora em exibição
no Rio. Abaixo, seguem os links com comentários sobre os
filmes:
12:08 Leste de Bucareste,
de Corneliu Porumboiu;
O Amigo da Família, de Paolo
Sorrentino;
Os Anjos Exterminadores,
de Jean-Claude Brisseau;
Ao Lado da Pianista,
de Denis Dercourt;
Babel, de Alejandro Gonzáles
Iñarritú;
Como
eu Festejei o Fim do Mundo, de Catalin Mitulescu;
O Crocodilo, de Nanni Moretti;
Crônica de uma Fuga, de Israel
Adrián Caetano;
Dias de Glória, de Rachid
Bouchareb ;
Fast
Food Nation, de Richard Linklater;
Flandres, de Bruno Dumont;
Juventude em Marcha, de Pedro Costa;
The Host,
de Bong Joon-ho;
El Laberinto del Fauno, de Guillermo
del Toro;
Luzes na Escuridão,
de Aki Kaurismaki;
Marie Antoinette, de Sofia
Coppola;
Palácio de Verão,
de Lou Ye;
Paris, je t'aime,
de vários diretores;
Quando eu Era Cantor,
de Xavier Giannoli;
Red Road,
de Andrea Arnold;
A Scanner Darkly,
de Richard Linklater;
Volver,
de Pedro Almodóvar;
The Wind That Shakes the Barley,
de Ken Loach;
Tivemos ainda um balanço geral do Festival, antes
e depois das Palmas entregues, além
de uma tradicional lista de cotações
para os filmes acima listados. Não custa lembrar, também,
que há no Festival do Rio deste ano filmes já vistos
em Cannes em 2005, dos quais cinco foram comentados por mim na
cobertura feita então na Contracampo (Alice,
Homem-Filme,
Lemming
- Instinto Animal, Sonhos
com Shanghai e A
Terra Abandonada). Destes, Lemming
- Instinto Animal já até estreou em São
Paulo.
Seleção Brasileira
Para os que costumam ignorar a seleção de filmes
brasileiros, convém dizer que a seleção da
competição de ficção da Première
Brasil deste ano é uma das mais fortes em expectativas
em alguns anos, e consolida de vez o Festival do Rio como plataforma
principal de lançamento de filmes brasileiros (ultrapassando
Gramado e Brasília). Entre os mais esperados, O Céu
de Suely, de Karim Aïnouz já foi conferido por
parte da redação e é, de longe, um dos maiores
destaques do cinema brasileiro no ano. Além dele,
também foi visto com carinho O Ano em que Meus Pais
Saíram de Férias, de Cao Hamburger (aliás,
os dois foram vistos justamente porque são aqueles com
estréia assegurada pouco depois do Festival - ao contrário
dos outros filmes em exibição, cuja estréia
pode demorar um pouco). Dentre os ainda não vistos, muita
ansiedade por ver o segundo filme de Ricardo Elias (Os 12 Trabalhos)
e o terceiro de Tata Amaral (Antonia). Eu me Lembro,
de Edgar Navarro, grande premiado de Brasília em 2005,
vem provar a falta de garantia que o mercado apresenta para o
escoamento dos filmes mais aguardados.
Nos documentários brasileiros, menos ineditismo, com a
exibição de dois filmes que concorreram em Gramado
há pouco tempo, Atos dos Homens e Pro Dia Nascer
Feliz (já comentados em Cinética, junto com
a ficção Sonhos e Desejos, num balanço
do festival gaúcho), um competidor de Brasília
e do É Tudo Verdade (À Margem do Concreto)
e o ganhador do festival de documentários, Caparaó.
Expectativas mesmo, curiosamente, geram dois filmes realizados
por duplas de diretores: Cartola, dos pernambucanos Lírio
Ferreira e Hilton Lacerda e Acidente, dos mineiros Cao
Guimarães (que tem ainda uma sessão quase escondida
no Cinema que Pensa com seus trabalhos anteriores - a se tentar
ver, sem dúvida) e Pablo Lobato.
Filmes vistos em outros festivais
Dentro da curiosa agenda dos festivais brasileiros, geralmente
há uma correlação entre as seleções
do Rio e São Paulo no mesmo ano, até natural (ver
abaixo). No entanto, de vez em quando há alguns filmes
da Mostra de SP que só chegam ao Rio no ano seguinte. É
o caso este ano de Espera, de Rashid Masharawi; e Inferno,
de Danis Tanovic, ambos filmes do Panorama. O primeiro é
um exercício até certo ponto interessante sobre
a relação dos palestinos com a construção
da sua própria imagem. Baseado num formato bastante fixo,
onde seguimos uma série de testes para elenco feitos na
Palestina, o filme acaba cansando após percebermos que
sua premissa teórica, uma vez desvendada, guarda pouco
mais para nossos olhos. Já o filme de Tanovic é
o segundo da "trilogia" de roteiros de Kieslowski sendo
filmados após sua morte (o primeiro, para quem não
lembre, era o Paraíso, de Tom Tykwer). Se o filme
prova alguma coisa é o quanto a grife do falecido cineasta
polonês não ajuda em nada a fazer um cinema para
além dos mais banais clichês do "cinema de arte"
contemporâneo. Se estes filmes ficarem como o legado kieslowskiano,
será uma injustiça com alguns dos melhores filmes
dele.
Alguns outros filmes passaram em festivais do primeiro semestre.
É o caso de Socorro! Tentáculos!, no Mundo
Gay, que passou no Femina. Cuidado deve ter quem achar, pelo título,
que se trata de uma comédia extravagante, porque de fato
é um documentário bastante instigante sobre uma
personagem altamente controversa. Um tanto televisivo aqui e ali,
o filme se destaca, porém, pela extrema sensibilidade ao
tratar de um tema-personagem que poderiam facilmente ser tão
sensacionalistas quanto o título do Festival do Rio. Já
No Silêncio Divino foi o ganhador do principal prêmio
do É Tudo Verdade neste ano - premiação das
mais injustas. Não que o filme seja ruim, mas ele não
é nem o melhor filme que se poderia fazer sobre o seu tema,
quanto mais o melhor na competição. Trata-se de
um filme que se dispõe a dar conta de uma realidade particular
(a de um mosteiro praticamente isolado do mundo), mas o faz tão
somente em cima dos clichês que o próprio diretor
carrega sobre o espaço filmado. Muita obviedade na aproximação,
e pouca vontade de ir além e procurar as frestas mais interessantes.
Há ainda três filmes que passaram há bem pouco
tempo na mostra de "cinema político" que a Maison
de France organizou no Rio, SP e outras capitais. Dentro destes,
pudemos ver A Comédia do Poder, o novo filme de
Chabrol; e O Pequeno Tenente, de Xavier Beauvois (ambos,
no Panorama do Festival). O filme de Chabrol é uma curiosíssima
exploração de um fait divers da política
francesa, onde o cineasta explora ao máximo sua capacidade
de filmar os detalhes de uma rotina com um cinismo tão
dissimulado que muitas vezes complica o reconhecimento de onde
ele quer chegar. Um pequeno filme fascinante, que ainda deve dar
o que falar. Já o filme de Beauvois opta pela aproximação
bem mais direta com a realidade das ruas de Paris (a partir da
vida de um recruta da polícia), e observa a ritualística
do trabalho policial com incrível atenção.
O filme se diferencia ao propor, no meio da sua duração,
uma inesperada troca de protagonista, no que fala de maneira bastante
contundente sobre a dificuldade de lidar com os choques entre
uma sociedade de construções e idealizações
e a realidade da "ficção do real". Dois
bons filmes, a se rever.
Algumas apostas no (quase) escuro
Finalmente, há, é claro, aquela enormidade de filmes
semi-desconhecidos na programação. Muitos deles
representarão preciosos minutos de tempo perdido em meio
a uma correria de filme para filme, onde a opção
por este ou aquele filme pode sempre significar a perda da chance
de ver aquele que mais tarde será considerado a "pérola
do Festival" por um outro espectador. Para tentar guiar minimamente
o olhar do espectador no meio deste deserto às vezes árido
de informações, aqui vão algumas garrafas
jogadas ao mar, com recomendações que podem servir
para animar ou impedir que o espectador vá ao filme que
não lhe interessa (vamos evitar aqui citar filmes dos cineastas
mais conhecidos, porque é bastante óbvio chamar
a atenção para o novo filme de um Robert Altman
ou Stephen Frears - ou recomendar cautela com novos de Kim Ki-duk,
Roberto Benigni e Isabel Coixet):
Bamako, de Abderrahmane Sissako (Panorama): exibido fora
de competição em Cannes, foi considerado um dos
grandes filmes do ano. O diretor já teve o seu Uma vida
sobre a Terra lançado no Brasil;
Cessar-Fogo, de Tahmineh Milani (Novas Imagens do Irã):
para quem costuma conectar o cinema iraniano com realismo exacerbado,
trata-se de uma comédia romântica local;
Um Casal Perfeito, de Nobuhiro Suwa (Panorama): chance de
conhecer um cineasta muitíssimo reconhecido na França,
praticamente desconhecido no Brasil;
Coração, Batendo no Escuro, de Shunichi
Nagasaki (Panorama): embora quase desconhecido no Brasil, o diretor
japonês já tem 30 anos de carreira, tendo sido foco
de retrospectiva no Festival de Roterdã deste ano;
Daft Punk`s Electroma, de Guy Manoel de Homem-Cristo e Thomans
Bangalter (Midnight): o filme não tem diálogos,
mas a música não é do Daft Punk: os dois
diretores é que são. Todas as críticas em
Cannes compararam (embora não favoravelmente) a Gerry
e Brown Bunny;
Enquanto Isso, de Diego Lerman (Première Latina): Lerman
apresentou um filme interessante no Festival anteriormente, chamado
Tan de repente;
Find me Guilty, de Sidney Lumet (Panorama): tudo bem, o diretor
é mais que conhecido. Mas, no caso a recomendação
se justifica, já que é raro um filme novo de Lumet,
e ainda mais atenção porque não temlançamento
previsto nos cinemas;
As Leis de Família, de Daniel Burman (Première
Latina): da série "ah, ele é o diretor de...",
Burman dirigiu O Abraço Partido e Esperando o
Messias, já exibidos no Brasil;
Man Push Cart, de Ramin Bahrani (Expectativa): recebeu consideráveis
elogios em publicações como a Cahiers du Cinéma,
quando do seu lançamento na França;
Mundo Novo, de Emmanuele Crialese (Panorama): para além
de ter concorrido em Veneza este ano, merece atenção
mesmo é por ser do mesmo diretor do belo Respiro;
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