arquivo - na agenda
Primeiro semestre de 2007

Junho
Nosso passado no cinema: Tela Brasilis e Cinemateca
Homenagem a Ousmane Sembene
Retrospectiva Domingos Oliveira
TV e Grandes Autores
Retrospectiva Arnaldo Jabor
Nocaute: O Boxe no Cinema
Caravana Revelando os Brasis
Homenagem a Jean-Claude Bernardet
CinePUC: Seijun Suzuki

Maio
CinePUC: Claire Denis
Mostra Pasolini
Virada Cultural em SP
Bem Vindo ao Cinema Contemporâneo 3
Uma História do Cinema na Cinemateca

Abril
Mostra Mauro Alice
Retrospectiva Mário Carneiro
Conversação - Diálogos com o Cinema
Homenagem a Candeias

Março
Leituras Russas
Geraldo Sarno em Salvador
I Mostra de Filmes de Bollywood
Cinco Visões de Nosso Cinema
Mostra Prêmio ABC
Bresson e o Cinema Contemporâneo
República Dominicana no CCSP

Fevereiro
Programadora Brasil
Cinco de Cassavetes
Eric Rohmer na Cinemateca
Fassbinder no CCBB
Mostra do Filme Livre
Sempre Cinema na Fundação Japão
Cineclube HSBC
A literatura no cinema
Re-visão do Cinema Novo

Janeiro
Festival de Roterdã
Notícias do cinema comercial brasileiro
Festival de Atibaia
Godard na Cinemateca
Fellini no Olido
Cine Tela Brasil
Luz em Movimento
Cinema de Assalto!


Junho 2007

Encerrou-se semana passada a II Mostra de Cinema de Ouro Preto, evento que, com curadoria do editor cinético Cleber Eduardo, debruçou-se sobre a memória e história do cinema brasileiro, destacando a produção pré-Cinema Novo dos anos 50 e a precariedade da preservação e conservação de nosso patrimônio fílmico. Curiosamente, nas próximas semanas, uma série de eventos disponibilizará ao público uma janela para essa nossa história cinematográfica, por vezes problematizando justamente essa ausência de políticas públicas claras e funcionais para sua preservação.

O primeiro será o Cineclube Tela Brasilis, que no próximo dia 28 de Junho exibirá na Cinemateca do MAM-RJ dois filmes da década de 40 que já haviam sido considerados perdidos. O primeiro é Samba em Berlim (1943), uma chanchada dirigida e produzida por Adhemar Gonzaga, com participação de Grande Otelo e a estréia no cinema da hoje centenária Dercy Gonçalves. Em seguida, será exibido um fragmento de Abacaxi Azul (1944), musical da Cinédia dirigido por Wallace Downey.

Já a mostra E o Som se Fez (mais sobre ela acima) volta mais uma década no tempo e traz as exibições de Ganga Bruta (1933), marco da historiografia nacional dirigido por Humberto Mauro, e Alô Alô Carnaval (1936), outro musical de sucesso da Cinédia. Por fim, voltando ainda mais uma década, a Cinemateca Brasileira programou para o próximo dia 30 de Junho, em parceria com um grupo de pesquisadores que se reúne mensalmente na instituição para realizar uma cuidadosa revisão da produção silenciosa brasileira que sobreviveu até nossos dias, a exibição de Canção da Primavera (1923), considerado o primeiro filme de enredo produzido em Belo Horizonte.

Iniciativas como essas – assim como a reforma pela qual está passando a Cinemateca do MAM-RJ, noticiada aqui por Felipe Bragança – acabam surgindo como pequenos sopros de esperança para a preservação e estudo de um vasto acervo histórico que, até agora, pouca atenção recebeu, tanto do Estado quanto da sociedade. (Leonardo Mecchi)

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No último dia 09, faleceu aos 84 anos o diretor senegalês Ousmane Sembene. À exceção de algumas pequenas notas de obituário traduzidas das agências internacionais, a imprensa brasileira praticamente ignorou esse fato. Sembene, entretanto, foi uma figura chave para o cinema africano, cuja importância e influência podem ser equiparadas à de Glauber Rocha aqui no Brasil. Sobre isso, inclusive, vale a pena tentar colocar as mãos num raro artigo de William Wert intitulado “Ideology in the Third World Cinema: A Study of Sembene Ousmane and Glauber Rocha”, publicado na Quarterly Review of Film Studies em 1979. Por isso, vale saudar, ainda que tardiamente, a iniciativa do Cinemaison do Rio de Janeiro programando uma Homenagem a Sembene Ousmane (como dita a grafia francesa de seu nome) no último dia 25 de Junho.

Sembene era conhecido como o pai do cinema africano. Curiosamente, chegou ao cinema não por um anseio pessoal, mas por uma necessidade. Iniciou sua carreira artística como escritor mas, diante da alta taxa de analfabetismo nos países africanos, encontrou nos filmes a única forma de se comunicar com seu povo. Sembene acreditava que o cinema deveria ser uma escola noturna para o povo africano, uma forma de despertar sua consciência e incitá-los a lutar por melhores condições. Suas posições inspiraram muitos cineastas, além de despertar a fúria de tantos outros.

Independentemente de divergências como essas, Sembene fez filmes que precisam ser conhecidos e vistos. A Cinemaison programou dois deles em sua homenagem: O Vale-Postal (1968), considerado o primeiro filme realizado por uma equipe exclusivamente africana e na língua nativa do Senegal, e Moolaadé (2005), seu último filme, que chegou a ser exibido na Mostra de São Paulo, mas permanece inédito para os cariocas. O filme levou o prêmio Un Certain Regard no Festival de Cannes – mesmo festival que, em 1966, selecionou seu longa de estréia, La Noire de..., como o primeiro filme da África negra a ser exibido em um grande festival internacional, alçando Sembene ao reconhecimento internacional e praticamente dando autêntico início ao cinema africano. (Leonardo Mecchi)

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Domingos Oliveira tem se firmado como uma figura de exceção dentro do atual panorama do cinema brasileiro – seja pelo intercâmbio entre sua produção teatral e cinematográfica; seja pelo esquema de produção alternativo no qual vem realizando seus últimos filmes de baixíssimo orçamento; ou ainda por ser um dos raros diretores a abordar a classe média brasileira sem cair num retrato cínico ou na comédia global que caracteriza atualmente tal produção.

Agora, com Carreiras, Domingos continua se diferenciando, quebrando um acordo tácito do mercado cinematográfico e exibindo seu filme na TV uma semana antes da estréia em salas comerciais. Assim como o movimento que fundou pelos filmes de baixo orçamento (o B.O.A.A. – Baixo Orçamento e Alto Astral), esta ação de lançamento de Carreiras não deixa de ter um quê de jogada de marketing, mas ainda assim é gratificante ver um diretor de 70 anos que não se deixa acomodar e continua buscando alternativas para levar seus filmes ao público.

Aproveitando o lançamento de seu mais recente filme, o Estação Laura Alvim, no Rio de Janeiro, programou de 25 de junho a 05 de julho uma Retrospectiva Domingos Oliveira. A mostra cobrirá desde seu filme de estréia (Todas as Mulheres do Mundo, de 1967) até seus recentes filmes de baixo orçamento, como Separações (2002), Feminices (2004) e o próprio Carreiras. Serão exibidas ainda produções realizadas para TV, como Na Estrada da Vida Não Tem Retorno (episódio da série “Carga Pesada”, de 1980) e as entrevistas do programa “Todas as mulheres do mundo”. (Leonardo Mecchi)

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Estive ausente nas duas últimas semanas e por isso, infelizmente, algumas boas mostras acabaram ocorrendo sem serem noticiadas por aqui. Outras, entretanto, estão em pleno andamento e vale a pena destacá-las para que o leitor possa aproveitar seus últimos dias.

É o caso, por exemplo, da mostra TV e Grandes Autores que está rolando no CCBB-RJ desde o dia 29 de Maio e vai até o dia 10 de Junho. A curadoria da mostra, a cargo do crítico João Marcelo F. de Mattos, busca um recorte da produção realizada para TV por renomados diretores do cinema contemporâneo, como Robert Altman, Tsai Ming-Liang, Andrzej Wajda, Godard e Bergman. Uma oportunidade rara de verificar obras inéditas aqui no Brasil e conferir o potencial que um meio como a TV possui nas mãos de grandes realizadores.

Outra mostra que se encerra dia 10 de Junho, desta vez no CCBB-SP, é a retrospectiva completa Arnaldo Jabor – 40 Anos de Opinião Pública. A mostra vale principalmente para a nova geração, que só conheceu o Jabor polemista-de-plantão da Rede Globo, que poderá verificar o que há de contradição ou coerência entre os discursos indignados no Jornal Nacional e obras como A Opinião Pública, Toda Nudez Será Castigada, Pindorama e Tudo Bem (estas duas últimas exibidas, segundo o release da mostra, em uma nova montagem realizada pelo próprio Jabor). Vale também para tomar partido na recente onda de reavaliação do Cinema Novo, iniciada pela recusa pública de Nelson Pereira dos Santos em ser enquadrado no movimento: Arnaldo Jabor faria efetivamente parte ou não do Cinema Novo? Cabe ao leitor rever os filmes e tirar suas próprias conclusões.

Por fim, ainda entre as mostras em andamento, a Cinemateca Brasileira iniciou no último dia 23 de Maio e estende até o dia 17 de Junho a mostra Nocaute: O Mundo do Boxe. O boxe é um dos esportes mais retratados no mundo do cinema. Desde a reencenação de grandes lutas nos primórdios do cinematógrafo (que serão representadas na mostra por uma coletânea de curtas que vão de 1891 a 1898) aos recentes Menina de Ouro, A Luta pela Esperança, Dália Negra e o indefectível Rocky Balboa, o boxe atraiu uma infinidade de diretores pelo fascínio de seu movimento diante das câmeras, pelas possibilidades de experimentação da linguagem em seu registro, pelo potencial metafórico para a superação e redenção do ser humano, entre tantos outros motivos. É a atração entre esses dois mundos que poderá ser conferida na Cinemateca em filmes de Buster Keaton, Marcel Carné, King Vidor, Charles Chaplin, John Huston, John  Ford, Takeshi Kitano, D.W. Griffith, Robert Wise, Clint Eastwood, Stanley Kubrick, Alfred Hitchcock, Luchino Visconti e Martin Scorsese. A própria lista de diretores presentes na mostra já demonstra o fascínio inexorável desse esporte. Vale a pena conferir. (Leonardo Mecchi)

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Outra iniciativa bastante interessante que tem corrido o Brasil é a caravana do projeto Revelando os Brasis, que já foi tema de artigo de Eduardo Valente aqui na revista. O projeto do Ministério da Cultura, que em 2006 fomentou a formação de profissionais e a produção de 40 vídeos em municípios com até 20 mil habitantes, chega à sua segunda etapa, exibindo em uma grande tela em praça pública os vídeos produzidos através do edital original nas capitais de 21 estados brasileiros e nas próprias cidades onde esses vídeos foram realizados. De 24 de Maio a 27 de Julho, a caravana terá percorrido 25 mil quilômetros em todo o país, promovendo esta que é uma das melhores iniciativas de formação e inclusão audiovisual fora dos grandes centros brasileiros. Que essa iniciativa não se torne uma ação isolada, garantindo sua merecida continuidade. (Leonardo Mecchi)

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Numa justa e rara homenagem a um dos maiores intelectuais e pesquisadores do cinema brasileiro, o Reserva Cultural abriga na semana de 12 a 17 de Junho uma mostra de filmes dedicada a Jean-Claude Bernardet, que completou recentemente 70 anos e tem este mês um de seus clássicos ensaios, Brasil em Tempo de Cinema, relançado pela Companhia das Letras. A mostra exibirá filmes nos quais Bernardet esteve envolvido, seja como diretor (São Paulo, Sinfonia e Cacofonia), roteirista (Gamal, o Delírio do Sexo, O Caso dos Irmãos Naves e Eterna Esperança) ou ator (Ladrões de Cinema, Disaster Movie, Disseram Que Voltei Americanizada e Anuska, Manequim e Mulher), além do documentário Crítica em Movimento, sobre o homenageado. Completam a homenagem uma exposição de fotos sobre a vida de Jean-Claude e o lançamento de um catálogo de 200 páginas com biografia, artigos, depoimentos, filmografia, todos os livros e um histórico com a trajetória de Bernardet. Vale lembrar ao leitor ainda que Jean-Claude possui um blog pessoal, onde mantém a verve crítica e polêmica que tanto o caracteriza. (Leonardo Mecchi)

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Mês passado eu destaquei aqui a mostra dedicada a Claire Denis, realizada pelo cineclube da PUC-RJ. Pois este mês o CinePUC mantêm o altíssimo nível, dedicando sua programação ao diretor japonês Seijun Suzuki. Embora tenha sido tema de retrospectiva da Mostra Internacional de São Paulo há uns sete anos e, mais recentemente, teve oito de seus filmes exibidos (em DVD) no CCBB do Rio e Brasília em 2006, é fundamental que a obra deste mestre da Nouvelle Vague japonesa (reverenciado por diretores tão distintos como Jim Jarmusch, Takeshi Kitano, Wong Kar-Wai e Quentin Tarantino) esteja continuamente disponível ao público brasileiro. Durante as quatro terças-feiras do mês de Junho, serão exibidos em DVD e com legendas em inglês os filmes A Juventude da Besta (1963), Tóquio Violenta (1966), Elegia da Briga (1966) e A Marca do Assassino (1967), sempre seguidos de debate. (Leonardo Mecchi)

Maio 2007

Algumas notas abaixo, eu falava do curso “Bem Vindo ao Cinema Contemporâneo” e lamentava o fato de vários daqueles diretores que serão abordados terem seus filmes pouco ou nada exibidos no país. Entre eles está Claire Denis, talvez a mais importante diretora francesa da atualidade, cuja obra será analisada no primeiro dia do curso do CineSesc por Luiz Carlos Oliveira Jr. Curiosamente, no mesmo dia, a PUC-RJ verá o início de uma pequena mostra da diretora, como parte do projeto CinePuc. De 08 a 24 de Maio, serão exibidos (em DVD e com legenda em inglês) Noites Sem Dormir; Bom Trabalho; Desejo e Obsessão; e O Intruso. Uma espécie de compensação para os cariocas que não poderão acompanhar o curso em São Paulo. Ou seria o contrário? (Leonardo Mecchi)

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A vantagem de se morar em uma cidade como São Paulo é que, de tempos em tempos, surgem mostras retrospectivas de grandes diretores da história do cinema, fundamentais para se rever aquele filme que marcou sua vida ou mesmo para se criar novas gerações de cinéfilos. Vindo de uma família profundamente católica, O Evangelho Segundo São Mateus foi um desses filmes que ficaram marcados em minha formação, por sua belíssima construção de um Cristo humano e revolucionário. Foi através desse filme que entrei na obra de Pasolini e aprendi a admirar esse mestre do cinema de poesia. Pois o Instituto Italiano di Cultura, em parceria com o Cine Olido, realizará de 08 a 20 de Maio justamente uma mostra dos filmes de Pasolini, incluindo aí O Evangelho, ao lado de outras obras de igual impacto, como Teorema, Accatone e Gaviões e Passarinhos. Tudo altamente recomendável aos leitores – ainda que, à exceção de Édipo Rei (que será exibido na versão original em italiano), todas as demais exibições serão em DVD.

Trata-se de um hábito que está se tornando perigosamente comum e que, no caso de uma mostra sem grandes patrocínios como esta, até podemos entender. Mas o que temos visto cada vez mais é uma certa política do “é isso ou nada” – o que não se justifica em grandes festivais e mostras de orçamento considerável e que têm assumido esse mesmo discurso para exibições de qualidade muitas vezes sofrível, em salas de cinema, de filmes cujo original de circulação é em película. . Economiza-se assim um dinheiro do orçamento com o que devia ser o mais importante numa mostra DE CINEMA, e exibe-se um arremedo da obra original – e ainda devemos todos ficar muito gratos. Estivéssemos falando de exibições em cineclubes ou locais sem projetores instalados; se fossem filmes raros sem cópias disponíveis, onde é preciso recorrer a DVDs importados ou mesmo cópias baixadas da Internet (como no caso do exemplo citado na nota acima); ou, finalmente, se fossem impecáveis projeções em digital de última qualidade, ainda seria algo a considerar.

A prática revela-se ainda mais dolorosa quando tomamos contato com o cuidado dedicado a esse tema por festivais internacionais, como a última edição da Berlinale (que exibiu cópias em película impecavelmente restauradas de Arthur Penn e Philippe Garrel) e a próxima de Cannes (que exibirá inclusive Limite, de Mário Peixoto, em sua seção Cannes Classics). Só que no país das gambiarras, o que era para ser exceção está, infelizmente, tornando-se a prática comum. (Eduardo Valente e Leonardo Mecchi)

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Acontece no final de semana de 05 e 06 de maio em São Paulo a terceira edição da Virada Cultural, evento inspirado na Nuit Blanche parisiense. Das 18h do dia 05 às 18h do dia 06, mais de 350 manifestações artísticas de todos os tipos tomarão a cidade, e o cinema não poderia ficar de fora, com algumas gratas surpresas para o cinéfilo paulistano.

A mais interessante delas é, sem dúvida nenhuma, a mostra 24 Horas de Ozualdo Candeias, que ocupará a Cinemateca neste final de semana. Serão exibidos ininterruptamente uma série de filmes do diretor paulista, morto em fevereiro deste ano, incluindo longas, curtas, documentários que abordam sua obra e até filmes onde Ozualdo aparece atuando, como O Despertar da Besta, de José Mojica Marins.

E é ao próprio Mojica que a Sala Maria Antônia dedica sua participação na Virada Cultural. A mostra Virando Zé do Caixão irá apresentar, na madrugada de sábado para domingo, três clássicos do diretor: À Meia-Noite Levarei Sua Alma, Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver e O Despertar da Besta. Como a Sala Maria Antônia só está equipada para projeções em DVD, quem preferir assistir aos filmes em 35mm poderá acompanhar essa mesma programação no SESC Santana, à partir das 21h do sábado, com projeções em película.

O Museu da Imagem e do Som irá hospedar duas mostras durante o evento: na sala multimídia e com projeção em DVD, documentários sobre sambistas, como Paulinho da Viola – Meu Tempo é Hoje e Samba Riachão; no auditório, uma mostra de filmes do acervo do MIS, onde os destaques ficam para SuperOutro, o mítico filme de Edgard Navarro, e Filme Demência, do Carlão Reichenbach. Já o CineSesc dedicará sua programação a pré-estréias: Além do Desejo (que na última Mostra de São Paulo foi exibido com o título original – En Soap), Baixio da Besta, o novo filme de Cláudio Assis, e Atravessando a Ponte: o Som de Istambul, documentário de Fatih Akin (diretor de Contra a Parede).

Para quem quiser acompanhar a produção alemã contemporânea, além do filme de Fatih Akin no CineSesc, o Instituto Goethe programou a mostra Alemanha/Europa, que inclui os premiados e inéditos Um Dia na Europa e O Nono Dia (sempre em DVD). Haverá ainda exibições ao ar livre pela cidade, como Nosferatu, de Murnau, com acompanhamento musical ao vivo em frente ao cemitério de Vila Nova Cachoeirinha, Garotas do ABC no Heliópolis, e o projeto “Cine Tela Brasil” no bairro de Perus. Uma programação eclética com motivos de sobra pra qualquer cinéfilo passar a noite em claro. (Leonardo Mecchi)

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Começa no próximo dia 08 de Maio a terceira edição paulistana do curso Bem Vindo ao Cinema Contemporâneo, que irá ocorrer até meados de Junho no CineSesc. Como nos anos anteriores, foram selecionados 10 diretores – cujas obras estão entre as mais interessantes e provocadoras do cinema contemporâneo mundial – para terem seus filmes discutidos e analisados pelos contracampistas Luiz Carlos Oliveira Jr, Tatiana Monassa e Ruy Gardnier e pelos cinéticos Felipe Bragança e Cleber Eduardo. Os diretores escolhidos para a edição deste ano foram Claire Denis, Michael Mann, Jia Zhang-ke, Pedro Costa, Spike Lee, M. Night Shyamalan, Hong Sang-soo, Abel Ferrara, Beto Brant e Michael Haneke. Além da predominância do cinema norte-americano (4 dos 10 diretores escolhidos), o que mostra a força do cinema autoral que ainda vem sendo produzido dentro da própria estrutura de Hollywood, chama a atenção o fato de que vários desses diretores jamais tiveram um filme lançado comercialmente no Brasil (caso de Jia Zhang-ke, Pedro Costa e Hong Sang-soo – este último inédito inclusive nos grandes festivais brasileiros), o que demonstra mais uma vez o caráter conservador de nossas distribuidoras e circuito exibidor – além de reforçar ainda mais a importância de um curso como esse para trazer de alguma forma a obra desses diretores ao público brasileiro.(Leonardo Mecchi)

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Há alguns anos a série de cursos Uma História do Cinema na Cinemateca Brasileira tem feito grande sucesso. Realizado em parceria com a USP e ministrado pelo professor Eduardo Morettin, trata-se de uma série de cursos gratuitos ao longo do ano que abordam, através de recortes temáticos ou históricos, diversas fases do cinema mundial – em particular do cinema pré-moderno. Iniciativa importante da Cinemateca, que conjuga formação de público e a difusão de seu acervo.

O próximo curso, com inscrições abertas a partir de 01 de Maio, abordará as representações cinematográficas da cidade no documentário silencioso. Serão exibidos e discutidos filmes como Berlim – Sinfonia de uma Metrópole, Rien que les Heures (de Alberto Cavalcanti), O Homem com a Câmera, Paris Adormecido, além de uma série de raros curtas brasileiros das décadas de 10 e 20. Uma ótima oportunidade para quem quiser se aprofundar nesse período. (Leonardo Mecchi)

Abril 2007

Desde que Truffaut cunhou, na edição de fevereiro de 1955 da Cahiers du Cinéma, o termo “política dos autores”, o cinema é visto quase que exclusivamente como a arte do diretor, muito embora seja, provavelmente, a mais coletiva de todas as artes. Em função disso, são raras as oportunidades de se acompanhar e estudar um conjunto de filmes como a obra não de um diretor, mas dos outros “autores” do cinema, como roteiristas, fotógrafos ou montadores (valendo destacar aqui, como feliz exceção, a mostra “A Montagem no Cinema”, que ocorreu em 2006 no CCBB-SP).

Pois é justamente nessa brecha que se inscrevem duas mostras que ocorrerão nas próximas semanas aqui em São Paulo, homenageando importantes nomes do cinema brasileiro. A primeira delas, que ocorrerá de 17 a 29 de Abril nas salas do Centro Cultural São Paulo e Cine Olido, se debruçará sobre o trabalho de Mauro Alice, montador que há mais de meio século tem sido parceiro de nomes como Mazzaropi (Jeca Tatu, Candinho), Walter Hugo Khouri (Noite Vazia, O Corpo Ardente), Anselmo Duarte (Vereda da Salvação) e Hector Babenco (O Beijo da Mulher Aranha, Coração Iluminado e, mais recentemente, Carandiru – este último ausente da programação).

Já o CCBB terá um ciclo, com curadoria do contracampista Daniel Caetano, dedicado a Mario Carneiro. De 25 de Abril a 05 de Maio (os cariocas poderão acompanhar a mostra logo depois, de 15 a 27 de Maio), o público poderá conferir não apenas os filmes que consagraram Mario Carneiro como um dos grandes fotógrafos do cinema brasileiro – Garrincha Alegria do Povo, O Padre e a Moça, Porto das Caixas e Todas as Mulheres do Mundo, entre outros – mas também outras facetas suas menos conhecidas, como o Mario Carneiro montador (Chico Rei, A Casa Assassinada) e diretor (Gordos e Magros, Arraial do Cabo – este último co-dirigido com Paulo César Saraceni). A mostra ainda reserva a grata surpresa de disponibilizar dois raros média-metragens documentais de Andrea Tonnacci fotografados por Carneiro (Biblioteca Nacional e Teatro Municipal de São Paulo). A lamentar apenas a ausência de um de seus trabalhos mais emblemáticos como fotógrafo: Di, o polêmico filme de Glauber Rocha que ainda encontra-se interditado no Brasil devido a uma querela com a família do pintor Di Cavalcanti. Felizmente, a Internet ainda se coloca como um espaço de resistência a esse tipo de interdição e o filme pode ser visto aqui. (Leonardo Mecchi)

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De quinta a domingo, durante duas semanas (do dia 12 ao dia 22 de abril), o Centro Cultural dos Correios (RJ) recebe um evento bastante interessante e diferenciado dentro do tratamento que geralmente se dá a mostras ou festivais internacionais no Brasil. Em Conversação – Diálogos com o Cinema, ao invés do gigantismo dos números (trocentos filmes, bilhões de inscritos, etc e tal), a opção é pela curadoria atenta e pequena: foram selecionados oito diretores – na verdade nove, pois há uma dupla que trabalha junto –, sendo quatro (cinco) brasileiros e quatro de origem francófona (dois franceses, dois canadenses de Quebec), e será exibida uma boa parte da obra destes realizadores em curtas (numa média de três trabalhos de cada). O que já seria uma novidade bem vinda (o conceito de “obra” a partir de curtas), se justifica mesmo a partir do conceito de “conversa-ação” que o título da mostra expõe: todos os realizadores serão trazidos ao Rio durante toda a duração da mostra (não só os estrangeiros, já que os brasileiros incluem realizadores de São Paulo, Belo Horizonte e Salvador – além de um pernambucano radicado no Rio), e participarão de uma série de atividades. A principal delas é uma série de debates, nas sessões de quinta e sexta, seguindo-se sempre à exibição dos curtas de dois dos realizadores (um brasileiro, um estrangeiro), que se conectam a partir do formato do trabalho (animação, documentário, ficção, experimental – em todas as suas fronteiras). Mas, além disso, os realizadores estrangeiros dão um workshop para alunos de cinema da UFF e da Escola Darcy Ribeiro, e os nove realizadores se encontram numa grande mesa-redonda, aberta ao público, na sexta-feira (dia 20 de abril), às 15hs, na Escola Darcy Ribeiro. A idéia é tentar uma alternativa ao gigantismo sem rosto de alguns festivais, acreditando que destes encontros face a face (entre público e obras, entre diretores e platéia, entre realizadores e estudantes, e finalmente entre realizadores de estados ou países diferentes) é que realmente se consegue que um evento de cinema tenha uma permanência maior que a fugacidade da ocupação de algumas salas. Se vai ou não funcionar, este será o desafio – mas a tentativa é das mais interessantes. (Eduardo Valente)

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Ozualdo Candeias, falecido em 08 de fevereiro último, aos 88 anos, é um dos mais importantes e menos conhecidos cineastas brasileiros. Ponto. Apesar disso, afora a retrospectiva dedicada a ele em 2002 no CCBB de São Paulo e uma ou outra exibição esporádica de seus filmes em mostras dedicadas ao cinema marginal, o acesso à sua obra continua criminosamente raro. É por isso que se torna imperdível a oportunidade de acompanhar a pequena homenagem organizada pelo Museu da Imagem e do Som de São Paulo: de 04 a 08 de abril, o MIS irá exibir dois dos mais significativos longas de Ozualdo (A Margem e A Herança), além de alguns curtas bastante interessantes para se formar um olhar mais abrangente sobre o diretor, como Rodovias (um institucional de 1962 dirigido por Ozualdo sob encomenda do Governo do Estado de SP), Sr. Pauer (de 1988, um de seus últimos filmes), A Boca do Cinema Paulista (documentário de Antônio F. de Souza no qual Ozualdo foi co-roteirista, fotógrafo e montador) e Boca Aberta (documentário de Rubens Xavier que tem em Ozualdo um de seus principais personagens). Depois de conferir os filmes, o leitor fará bem em dar uma lida no dossiê sobre Candeias produzido pelo pessoal da Contracampo há alguns anos, assim como pode aproveitar a oportunidade para conhecer a Zingu, que dedica sua sexta edição à obra do cineasta. (Leonardo Mecchi)

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A mostra Robert Bresson e o Cinema Contemporâneo já recebeu uma nota aqui, no mês passado, e ainda foi muito elogiada por mim mesmo no Bloco de Notas. Porém, como nunca é demais chamar a atenção para o que é bom, vale lembrar que nesta quarta, dia 04 de abril, ela começa a sua passagem pelo CCBB de SP. Programa imperdível para os paulistanos, e que depois chega também ao público de Brasília, a partir de 24 deste mês. (Eduardo Valente)


Março 2007

Se não tem inovado muito na seleção dos filmes exibidos, recorrendo com freqüência à projeção de clássicos já consagrados de seu acervo, a Cinemateca Brasileira tem ao menos realizados alguns recortes temáticos bastante interessantes em sua programação, permitindo que esses mesmos clássicos sejam revistos sob novo enfoque ou propondo diálogos com outros filmes. É o caso, por exemplo, da mostra Leituras Russas, que ocupa a sala Cinemateca de 28 de março a 08 de abril. A curadoria, baseada em adaptações das obras de grandes mestres da literatura russa (Pushkin, Tchekhov, Dostoievski, Tolstoi, Gorki e Nabokov), permite, por exemplo, que comparemos as visões de Louis Malle e Jean-Baptiste Mathieu para “Tio Vânia”, de Tchekhov, ou que possamos conferir como um mesmo romance – como “Crime e Castigo”, de Dostoievski – pode inspirar obras tão díspares quanto Nina, de Heitor Dhalia, e Pickpocket, de Robert Bresson. Não faltarão também clássicos como Noites Brancas, de Luchino Visconti (baseado na obra homônima de Dostoievski), Guerra e Paz, de King Vidor (da obra de Tolstoi), e Lolita, de Stanley Kubrick (adaptação do clássico de Nabokov). (Leonardo Mecchi)

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Antes que me acusem de só divulgar eventos no eixo Rio-São Paulo, aproveito para chamar a atenção para uma programação bem bacana em Salvador que chegou a meu conhecimento. Na próxima quinta-feira, dia 15, às 20 horas, rola na Sala Walter da Silveira (uma das poucas sobreviventes entre os cinemas de rua que ocupavam o centro de Salvador) a exibição de cinco documentários de Geraldo Sarno.

Para quem não conhece, Sarno foi responsável por um dos marcos do documentário brasileiro, Viramundo, de 1965, que foi brilhantemente analisado por Bernardet em seu clássico livro “Cineastas e Imagens do Povo”. O diretor baiano foi foco também de uma retrospectiva na sexta edição do festival É Tudo Verdade, em 2001.

Viramundo não está programado, mas serão exibidos quatro títulos produzidos entre 1968 e 1969 (Os Imaginários, Jornal do Sertão, Vitalino/Lampião e Dramática Popular) e um de 1980 (Eu Carrego um Sertão Dentro de Mim). O que esses filmes têm em comum é um certo olhar antropológico sobre a cultura popular nordestina, como se o diretor quisesse preservar para futuras gerações uma série de manifestações que estariam em vias de extinção com a crescente modernização daqueles rincões, incluindo aí o trabalho de artesãos (Os Imaginários), a literatura de cordel (Jornal do Sertão), a cerâmica (Vitalino/Lampião), o bumba-meu-boi (Dramática Popular) e a concepção do sertão enquanto espaço mítico e pessoal (Eu Carrego um Sertão Dentro de Mim). A projeção dos filmes será seguida de debate com o próprio diretor. Fica o registro (ainda que um tanto em cima da hora) para nossos leitores soteropolitanos. E o incentivo para que nos mandem destaques de programação de outras cidades pelo Brasil! (Leonardo Mecchi)

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Um dos momentos mais divertidos de minha recente estada no Festival de Berlim foi quando uma crítica indiana, colega no programa Talent Campus, me presenteou com uma cópia do filme bollywoodiano Dhoom 2, uma espécie de “thriller de ação cômico-romântico” que foi sucesso na Índia e que tinha trechos filmados no Rio de Janeiro, para onde os bandidos fogem ao final (para alegria de Lúcia Murat e seu Olhar Estrangeiro). Daí minha surpresa ao descobrir que a Cinemateca Brasileira irá hospedar, de 07 a 11 de Março, a I Mostra de Filmes de Bollywood, com destaque justamente para a projeção de Dhoom 2.

Além dele, serão exibidos The Terrorist (que, contrariando o título da Mostra, não se trata de uma produção de Bollywood, mas sim de um filme independente de baixo orçamento, exibido em Sundance e fortemente recomendado por minha colega), Fanaa (criticado veementemente por ela) e Dilwalw Dulhania le Jayenge, que apesar de extremamente longo (190 minutos), trata-se de um dos maiores sucessos da história do cinema indiano, tendo ficado mais de (inacreditáveis) 10 anos em cartaz! Uma boa oportunidade para um primeiro contato do público paulistano (houve mostras anteriores no MAM carioca e no CCBB de Brasília) com essa que é a maior produção cinematográfica do mundo e que já ultrapassou as fronteiras da Índia, fazendo sucesso em diversos países da Europa. (Leonardo Mecchi)

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É sempre uma grata surpresa quando iniciativas de divulgação do cinema brasileiro partem de grupos e lugares à margem das instituições já consagradas, e miram um público diferente dos habituais freqüentadores desse tipo de evento. É esse o caso da mostra Cinco Visões de Nosso Cinema, que ocorrerá ao longo do mês de Março, sempre aos sábados, na Biblioteca Municipal Prefeito Prestes Maia, no bairro de Santo Amaro, zona sul de São Paulo.

A programação, a cargo de Sergio Luiz de Andrade e Vinícius Del Fiol, abre com o clássico O Cangaceiro, mas logo envereda para uma seleção distante do clichê, que inclui Palácio dos Anjos (belo filme de Walter Hugo Khouri), Ato de Violência (policial de Eduardo Escorel inspirado nos crimes de “Chico Picadinho”), A Baronesa Transviada (filme de 1957, com Dercy Gonçalves e Grande Otelo, direção de Watson Macedo e roteiro de Chico Anysio) e O Anjo Loiro, do grande diretor da Boca Alfredo Sternheim, baseado no mesmo romance que originou O Anjo Azul, o clássico absoluto de Marlene Dietrich.

Com projeções em 16mm, a mostra surpreende também na programação dos debates, que aposta em nomes surgidos na Internet, mas também aqui fora dos lugares comuns. Além de Mauro Alice (montador de vários filmes de Walter Hugo Khouri) e do próprio Alfredo Sternheim, irão discutir os filmes Andréa Ormond (autora de um dos mais interessantes blogues dedicados ao cinema brasileiro, o Estranho Encontro), Marcelo Carrard (do blog Mondo Paura, especializado em cinema de terror e um dos mais tradicionais da blogosfera brasileira) e Matheus Trunk (editor da revista eletrônica Zingu!, que tem realizado um trabalho interessante de resgate de alguns nomes do cinema brasileiro, em especial da Boca do Lixo, como Conrado Sanchez e Luiz Gonzaga dos Santos). Que mais iniciativas como essa continuem surgindo! (Leonardo Mecchi)

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Com a velocidade assustadora com que os filmes brasileiros entravam e saiam de cartaz ao longo de 2006, toda oportunidade de se (re)ver algumas dessas produções é mais do que bem-vinda, seja para cobrir alguma lacuna ou para rever aquele filme que merecia um olhar mais atento. A Mostra Prêmio ABC 2007 é uma boa chance para isso. Antecedendo-se à entrega do Prêmio ABC (onde a Associação Brasileira de Cinematografia elege a melhor Fotografia, Montagem, Som e Direção de Arte entre os lançamentos brasileiros do ano passado), a Mostra exibe ao longo de 15 dias os filmes concorrentes, tanto na categoria de longa quanto curta-metragem.

Assim os públicos paulistano (onde a mostra ocorrerá de 07 a 18 de Março na Cinemateca Brasileira) e carioca (com a mesma programação sendo exibida, de 06 a 16 de Março, na Cinemateca do MAM-RJ) terão a oportunidade de conferir, entre outros, A Concepção, Crime Delicado, O Veneno da Madrugada, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias e O Céu de Suely. Entre os curtas, os destaques ficam para os filmes que mais geraram discussões nos festivais por onde passaram, como Alguma Coisa Assim, de Esmir Filho, Jonas e a Baleia, do cinético Felipe Bragança, Manual para Atropelar Cachorro, de Rafael Primo e A Vida ao Lado, de Gustavo Galvão. (Leonardo Mecchi)

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Em julho último, como parte da mostra retrospectiva de Pedro Almodóvar (comentada aqui por Leonardo Sette), a Cinemateca Francesa pediu que o diretor espanhol indicasse os filmes que o influenciaram, e exibindo-os junto com sua obra, numa rara oportunidade de se observar e avaliar como um cineasta se relaciona e se referencia aos filmes que o marcaram. Pois a mostra Bresson e o Cinema Contemporâneo, que estréia no próximo dia 06 de Março no CCBB-RJ (chegando a São Paulo dia 04 de Abril e em Brasília, dia 24), propõe o caminho inverso: a partir da obra de Robert Bresson, a curadoria busca traçar os possíveis seguidores do mestre francês no cinema contemporâneo. Assim, ao lado de clássicos como Mouchette, Pickpocket e O Processo de Joana d’Arc, o público poderá acompanhar filmes de diretores tão diferentes quanto os irmãos Dardenne, Godard, Straub e Huillet, Bruno Dumond, Aki Kaurismaki, Jia Zhang-ke e Tsai Ming-Liang, entre outros – na busca por um traço que os ligue ao cinema de Bresson.

Trata-se sem dúvida de um exercício bastante interessante, mas igualmente arriscado. Se já é bastante problemático tentar traçar influências e seguidores entre obras tão distantes física, estética e cronologicamente, isso se torna ainda mais complicado em se tratando de um diretor como Robert Bresson, cuja obra era pautada por um programa tão rígido que o próprio Bresson tinha dificuldade em seguí-lo (e sobre isso é interessante a leitura da recente edição de “Notas sobre o Cinematógrafo”, onde o diretor expõe seus pensamentos e preceitos sobre o que deveria ser o cinema). Somente a revisão de tais filmes, lado a lado, é que poderá nos dizer se existe uma verdadeira ligação entre esses filmes para além das simples aparências. (Leonardo Mecchi)

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Muito já se falou do isolamento do Brasil dentro da América Latina, onde barreiras culturais e lingüísticas impedem que haja um maior intercâmbio entre nossa produção e a de nossos vizinhos. Se algumas cinematografias conseguem bem ou mal romper essa barreira – como no caso do cinema argentino (algo que só ocorreu, a bem da verdade, após o reconhecimento dessa produção em festivais europeus) – outras permanecem como uma completa incógnita para nós. É o caso por exemplo da República Dominicana, foco de uma mostra que ocupará o Centro Cultural São Paulo, na capital paulista. De 27 de Fevereiro a 04 de Março serão exibidos treze títulos produzidos entre 1988 e 2006, numa rara oportunidade de conhecer parte da produção cinematográfica caribenha. A única ressalva é o fato de que, como já se tornou hábito nas mostras recentes do CCSP, muitos dos filmes serão exibidos em DVD. (Leonardo Mecchi)


Fevereiro 2007

Nos anos 60, figuras como Maurice Capovilla trabalhavam numa Cinemateca Brasileira, capitaneada por Rudá de Andrade, que não se satisfazia com o papel de local de exibição nem de preservação de filmes (papel que foi se ampliando muito mais com o passar dos anos - na mesma medida, lógico, que se ampliam as obras a serem preservadas). A Cinemateca também era uma grande provedora de mostras e cursos que se espalhavam pelo Brasil levando filmes do seu acervo para serem conhecidos pelo espectador dos recantos mais inesperados. De alguma forma, este papel essencial da instituição começa a ser recuperado com o projeto da Programadora Brasil, da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. A Programadora nada mais é que a disponibilização de um amplo catálogo de audiovisuais brasileiros, que vão de longas das primeiras décadas do século passado a curtas de recentíssima safra, a ser distribuído (em DVD) em escolas, universidades, cinematecas, cineclubes, etc. O objetivo, cristalino, é, como afirma o release de viulgação do projeto, "democratizar o acesso ao cinema nacional, permitindo uma maior circulação dos filmes produzidos no país, e também estimular a formação de público". Trata-se de uma iniciativa das mais essenciais já tomadas neste sentido, nem que seja por recolocar em pauta os problemas da chegada do audiovisual brasileiro ao espectador e da formação de público como questões de política pública. Entre 9 de fevereiro e 3 de março, vários programas de filmes presentes no primeiro pacote do programa estarão sendo exibidos gratuitamente na própria Cinemateca - o que é legal como cartão de visitas, mas está longe de ser o principal objetivo que o programa deveria atender, que é justamente tirar o cinema brasileiro das "grades" de suas próprias instituições tradicionais, e fazer com que ele chegue aos espectadores mais distantes destas. É por essa segunda fase, e seus resultados, que esperamos ansiosamente. (Eduardo Valente)

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Seguindo-se a um janeiro que deu a São Paulo retrospectivas de Godard e Fellini, fevereiro também promete ser uma festa para o cinéfilo que queira rever (ou ver pela primeira vez, por que não?) a obra de alguns dos principais nomes do cinema mundial. Primeiro porque, entre 9 e 15 de fevereiro, o CineSesc recebe uma mini-retrospectiva de John Cassavetes, com cinco dos seus longas mais importantes. Mais do que uma versão pocket da mostra completa do cineasta que o CCBB carioca hospedou em dezembro último, esta mostra promete ser o aquecimento para o posterior relançamento em circuito destes cinco filmes, começando já no dia 16 com Uma Mulher sob a Influência. Trata-se da retomada de uma promessa do Grupo Estação quando da última mostra de Cassavetes, durante o Festival do Rio de 1999 - que esperamos que desta vez se cumpra mesmo.

Já a Cinemateca Brasileira exibe, entre 13 de fevereiro e 4 de março, uma retrospectiva bem mais abrangente do francês Eric Rohmer. Por mais animador que possa ser sempre ver (e rever, como dissemos) estes filmes, é fato que tanto Rohmer quanto Godard tiveram suas carreiras bastante bem passadas a limpo ultimamente nos cinemas do Brasil, uma vez que o grosso das cópias destas mostras se devem à compra recente pelo Estação de vários filmes dos dois cineastas, o que já deu motivo à algumas mostras com estas mesmas cópias, sendo que várias delas estiveram em cartaz. Nesse sentido, embora o acesso constante ao repertório seja uma das marcas de cidades de forte tradição cinéfila (permitindo assim que até se perca algumas destas mostras por sabermos que elas voltam depois à cena), é de se lamentar apenas que nosso repertório constante, por uma questão de limitados acervos em película, seja formado quase sempre pelos mesmos três ou quatro nomes consagrados. Nesse sentido, melhor relembrar e celebrar a mais rara retrospectiva de Rainer Werner Fassbinder que acontece no CCBB de São Paulo mais para o fim do mês, já comentada aqui pelo Leo Mecchi. (Eduardo Valente)

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Se fevereiro é tempo de olhar para trás em São Paulo, no Rio de Janeiro é hora de olhar para o futuro com mais uma edição da Mostra do Filme Livre. O evento se consolida cada vez mais no calendário brasileiro pela mais abrangente apresentação de trabalhos nos mais diferentes formatos, bitolas e esquemas de produção no Brasil (ainda que o conceito do "filme livre", eternamente uma questão para a própria mostra, continue sendo altamente questionável). De fato, a programação da MFL (que pode ser vista no site da Mostra) é tão vasta que, um pouco como acontece no Festival de Curtas de SP ou na Curta Cinema, há uma certa sensação de impotência e afogamento frente a enormidade do número de títulos em exibição (por exemplo, são 26 sessões só no panorama). Para o meu gosto pessoal seria mais interessante acompanhar mostras um pouco menos abrangentes, com olhares mais direcionados das curadorias - mas a opção pelo gigantismo tem seus adeptos, além da inegável utilidade prática de abrir as portas de salas para que mais obras cheguem a mais espectadores. Este ano, aliás, a MFL expande seu circuito e ocupa por duas semanas o CCBB-RJ, a Casa França-Brasil e o Oi Futuro, além do circuito dos vários cineclubes do Rio de Janeiro. É pegar fôlego e mergulhar no mar de títulos. (Eduardo Valente)

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Ainda no espírito das comemorações dos 453 anos de São Paulo, vale a pena relembrar uma época em que o circuito exibidor da cidade ainda não era tão restrito e havia espaço para algumas ousadias. Na década de 60, por exemplo, o bairro da Liberdade possuía algumas salas de cinema que formavam um circuito alternativo para atender àquela que é até hoje a maior comunidade japonesa fora do Japão. Exibindo – muitas vezes sem legendas – desde clássicos do cinema nipônico às novidades da então recém surgida “nouvelle vague japonesa” (Yoshida, Oshima, Imamura, entre outros), essas projeções atraíam não apenas os imigrantes orientais e seus descendentes, mas muitos paulistanos que buscavam nesses filmes grandes choques e novidades estéticas, incluindo aí figuras como Jairo Ferreira e Carlos Reichenbach.

Embora ainda haja uma grande demanda por esse tipo de produção na cidade – como deixou clara a passagem pelo CineSesc de O Samurai do Entardecer, de Yoji Yamada – é cada vez mais rara a presença de títulos japoneses no catálogo das distribuidoras brasileiras. É por isso que vem em boa hora a iniciativa da Fundação Japão e seu projeto Sempre Cinema. Retomando o espírito das antigas salas da Liberdade, a Fundação Japão irá exibir de Janeiro a Março em seu Espaço Cultural – e desta vez com legendas em português e entrada franca – de clássicos como Desejo Profano (também conhecido como Desejo Assassino), do recentemente falecido Shohei Imamura, a produções recentes como Verão Negro – Falsa Acusação, de Kei Kumai, premiado no Festival de Berlim de 2001. Trata-se da segunda edição do projeto que, de Outubro a Dezembro de 2006, teve uma excelente recepção junto ao público. Esse sucesso apenas reforça a demanda, já apontada por Eduardo Valente em seu artigo “Onde estão as alternativas?”, por espaços verdadeiramente alternativos de exibição. “If you build, they will come.” (Leonardo Mecchi)

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Por falar em retomar velhos hábitos, o HSBC Belas Artes inaugura agora em Fevereiro seu Cineclube. Se dos antigos clubes de cinéfilos o projeto do Belas Artes retém apenas o nome, já que o espírito e ambiente daqueles grupos está longe do estilo “cine-butique” da atual versão modernizada do complexo de salas paulistano, trata-se ainda assim de uma sempre bem vinda iniciativa de trazer a público filmes que de outra forma não estariam circulando por nossas salas, sejam clássicos relegados a esporádicas exibições em mostras ou cinematecas ou filmes contemporâneos que não passam pelo crivo de “vendáveis” das distribuidoras.

Em seu primeiro ciclo, que vai de 2 de Fevereiro a 1º de Março, a programação trás filmes que giram em torno de um dos maiores fetiches da humanidade (pelo menos da parte masculina dela): as lolitas. Além do clássico de Stanley Kubrick adaptado da obra de Nabokov, serão exibidos O Joelho de Claire, de Eric Rohmer (habitué do finado Top Cine, um dos poucos espaços paulistanos que prezava pela programação contínua de clássicos), Bilitis, de David Hamilton, e Chuva de Verão, de Christine Jeffs. Embora suas sessões sejam abertas ao público em geral, o Cineclube terá também um plano de associação, com planos trimestrais, semestrais e anuais que darão acesso a todos os filmes programados – o que aliás é uma dessas idéias do circuito exibidor francês que nunca deu para entender porque não é mais usada aqui. (Leonardo Mecchi)

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E já que falamos da adaptação de Stanley Kubrick para Lolita de Vladimir Nabokov, vale destacar ainda o curso A literatura no cinema, que o Centro Universitário Maria Antonia realizará de 05 a 08 de Fevereiro. Ministrado pelo professor da USP Maurício Santana Dias, o curso irá analisar o que ocorre quando grandes cineastas encontram grandes obras literárias. Dessa forma, será discutido ao longo do curso a adaptação de Luchino Visconti para O Inocente, de Gabrilele D’Annunzio; a versão de John Huston para o conto de James Joyce Os Mortos; a obra póstuma de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados, adaptada da novela de Arthur Schnitzler; e como Louis Malle filmou Tio Vânia, de Anton Tchekhov. (Leonardo Mecchi)

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Por último, vale apenas reforçar que a mostra Revisão do Cinema Novo, já discutida aqui no mês passado por Eduardo Valente, irá iniciar sua temporada paulistana no CCBB, com projeções e debates se estendendo de 31 de Janeiro a 25 de Fevereiro. A conferir... (Leonardo Mecchi)


Janeiro 2007

Estreamos este mês uma nova coluna na Cinética, a Na Agenda. Aqui, tentaremos destacar com mais freqüência tudo aquilo que nos parece de interesse ao leitor espalhado pelo país – seja festivais e mostras de cinema, seja ciclos de filmes na TV, seja algum evento especial a acontecer. É uma forma de não apenas reagirmos ao que já aconteceu, mas chamar o leitor para partilhar um evento conosco.
Aos amigos assessores de imprensa, vale esclarecer que não se trata de um espaço para simples reprodução de press-releases, mas sim uma coluna assinada onde o redator, ao optar por chamar nossa atenção para um evento, estará falando na primeira pessoa, explicando o que chamou a atenção dele para recomendar. Para receber sugestões de eventos que por acaso não tenham chegado ao nosso conhecimento (principalmente os que se realizem mais longe das “fronteiras” da nossa redação – ainda que estas incluam com alguma amplitude SP, RJ, Porto Alegre, Recife, Paris...), criamos um email específico da coluna.

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No próximo dia 24 começa a 36a edição do Festival Internacional de Roterdã, que este ano reserva boas notícias para o cinema brasileiro: Baixio das Bestas, novo filme de Cláudio Assis que teve sua estréia no último Festival de Brasília e foi comentado aqui por Cleber Eduardo, terá sua primeira exibição internacional na competição pelo prêmio máximo do Festival. Ainda na mostra competitiva, mas desta vez de curtas metragens, o Brasil estará representado por Trecho, de Clarissa Campolina e Helvécio Marins, e Noite de Sexta Manhã de Sábado, de Kleber Mendonça Filho. Kleber, que também é colaborador da Cinética além de editor do Cinemascópio, ainda terá uma retrospectiva de sua obra na seção “Short Features Filmmaker Focus”, com as exibições de Enjaulado, A Menina do Algodão, Vinil Verde, Eletrodoméstica e Noite de Sexta Manhã de Sábado – ou seja, sua carreira inteira. Não deixa de ser sintomático o fato de que o Brasil esteja sendo representado no que é considerado um dos mais ousados festivais de cinema europeus por dois filmes pernambucanos e um mineiro, confirmando que o que há de mais interessante no audiovisual brasileiro hoje está sendo feito, muitas vezes, fora do famoso eixo Rio-São Paulo. (Leonardo Mecchi)

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Enquanto Roterdã exibe suas apostas para o futuro do cinema mundial, em São Paulo será a vez de reverenciar os clássicos. Para aqueles que ficaram salivando com a exposição dedicada a Godard pelo Centro George Pompidou (e que foi tema de artigos de Leonardo Sette e Cezar Migliorin aqui na Cinética), a Cinemateca Brasileira exibe, de 17 de janeiro a 11 de fevereiro, uma Retrospectiva Jean-Luc Godard, que cobrirá de maneira reduzida, porém cronologicamente (uma atitude louvável), a carreira do diretor, indo de Acossado até Nossa Música. Estão programados não apenas praticamente todos os grandes clássicos de Godard, como também curtas-metragens realizados sobre o diretor e seu processo de criação, como Encounter with Fritz Lang, Le Mépris: Bardot et Godard e Paparazzi. Enquanto isso, no Cine Olido, estará ocorrendo de 09 a 28 de janeiro um ciclo dedicado a Federico Fellini, também repleto de clássicos como A Doce Vida, 8 ½, Amarcord e E La Nave Vá, entre outros. Como ressalva fica apenas o fato de que as exibições serão todas em DVD, o que prejudica e muito a obra de um diretor como Fellini. E finalmente, após os leitores paulistanos terem se deliciado com essas duas mostras, o Centro Cultural Banco do Brasil realizará de 26 de fevereiro a 18 de março uma mostra com 16 longas de Rainer Werner Fassbinder (que, coincidentemente, terá seu tour de force Berlin Alexanderplatz exibido, com suas 15 horas e meia completamente restauradas, no próximo Festival de Berlim). A mostra, que por enquanto está restrita apenas à unidade do CCBB de São Paulo, terá curadoria do contracampista Ruy Gardnier. São eventos como esse que colocam São Paulo, apesar de todos os problemas e limitações, entre as cidades mais cinéfilas do mundo, ao lado de outras como Paris, Nova York e Berlim. (Leonardo Mecchi)

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De 09 a 13 de Janeiro realiza-se o 2o Festival de Atibaia, evento que abre o calendário de festivais do Brasil com a exibição, nessa pequena cidade no interior de São Paulo, de curtas e vídeos brasileiros premiados ao longo de 2006. A exemplo do que ocorreu em sua primeira edição, que trouxe filmes e realizadores franceses através de uma parceria com o Festival de Contis, Atibaia este ano repete a parceria com o festival francês e firma uma nova – com o FESPACO, festival pan-africano que ocorre em Burkina Faso e que é considerado por muitos o mais importante evento audiovisual daquele continente. Além de disponibilizar obras que seriam de outra forma inacessíveis ao público brasileiro, tais parcerias são ainda mais importantes por firmarem uma via de mão dupla, com a exibição nesses festivais de uma seleção dos curtas brasileiros presentes em Atibaia. Com o circuito exibidor se mostrando cada vez mais arredio e desfavorável à produção nacional, ainda mais longe dos grandes centros, iniciativas como a do Festival de Atibaia, que incentiva a formação de público, continuam sendo essenciais à melhor circulação das obras. (Leonardo Mecchi)

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E por falar em iniciativas que buscam tornar a produção brasileira contemporânea menos dependente de lançamentos comerciais (cada vez mais viciados e infutíferos), o projeto Cine Tela Brasil (que em 2006 completou 10 anos de projeções itinerantes pelo interior do país), realizará de 11 a 13 de janeiro sessões de pré-estréia de Antônia na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo – local onde o longa de Tata Amaral foi rodado. Serão exibidos também outros filmes realizados na região, como De Passagem, Família Braz e O Invasor. Desenvolvido pela diretora Laís Bodanzky, o projeto Cine Tela Brasil já realizou mais 500 projeções por todo o Brasil e é hoje a sala de cinema com a maior taxa de ocupação do país, desmontando o argumento de que não existe público para os filmes brasileiros. (Leonardo Mecchi)

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Ainda falando em cinema brasileiro, do próximo dia 10 até 28 de janeiro acontece na Caixa Cultural, no Rio de Janeiro, a mostra Luz em Movimento – A Fotografia no Cinema Brasileiro, uma espécie de complemento nacional à mostra Arte em Movimento – A Fotografia no Cinema que ocupou o CCBB de São Paulo em maio último. A seleção abrange desde as pedras angulares do cinema brasileiro Limite e Ganga Bruta até os recentes O Invasor e Cidade de Deus, passando por clássicos como O Cangaceiro, São Paulo S.A. e Vidas Secas. Completam o programa debates como “A estética fotográfica contemporânea” e “Luz Tropical: um fator determinante?”. Apesar de ser sempre bem vinda a possibilidade de se (re)ver filmes como esses, a reincidência dos mesmos títulos – clássicos e notórios – em diversas mostras dedicadas ao cinema brasileiro levanta uma questão no mínimo curiosa: seria a ausência de uma política clara de difusão permanente dos clássicos do cinema brasileiro por parte das instituições devidas (Cinemateca Brasileira, MIS-SP, MAM-RJ etc) responsável pela necessidade de que se criem periodicamente mostras temáticas para que tais filmes venham a público, seriam as curadorias de tais mostras que não buscam uma seleção mais ousada e criativa, ou seria a ausência de cópias exibíveis de uma quantidade maior de filmes que limitam tanto o acesso a um mesmo cânone constante? (Leonardo Mecchi)

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Cânone, aliás, que é o próprio tema da mostra Revisão do Cinema Novo, que ocupa o CCBB de Brasília desde o dia 2 de janeiro, e que segue para o de São Paulo a partir de 31 deste mesmo mês. Organizada pela Associação Cultural Contracampo, a mostra tem curadoria de Daniel Caetano, redator da revista eletrônica de mesmo nome; e um catálogo editado por Ruy Gardnier, um dos editores da mesma, onde se faz uma breve fortuna crítica do que foi dito sobre os filmes na época do seu lançamento – além de servir como base de consultas valiosa sobre os lançamentos realizados nos cinemas brasileiros então. Dentro do conceito da mostra, os realizadores não buscavam um olhar “revisionista” no sentido da simples contestação do cânone deste que é ainda hoje o principal momento de referência da história do cinema brasileiro. Pelo contrário, aqui o desejo era colocar lado a lado um painel o mais abrangente possível da produção do período fundamental do surgimento mesmo da idéia do que se convencionou chamar Cinema Novo (dentro dos limites das dificuldades de existência de cópias que citamos acima). Revisão então significa realmente ver de novo, olhar tanto para os clássicos que ficaram como marcos inegáveis (e claro que não poderiam faltar Deus e o Diabo na Terra do Sol ou Os Fuzis – embora falte Vidas Secas, por opção do diretor) como para os filmes que muito menos pessoas associam hoje ao movimento (Tocaia no Asfalto, A Vida Provisória). No caso, a idéia é que a acumulação da experiência de ver (e debater, há debates programados nas duas cidades), ao longo de um mês, o máximo de filmes possíveis do período pode, por si mesmo, ser um exercício revelador. Programa imperdível. (Eduardo Valente)

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A mesma Associação Cultural Contracampo também ocupa o cinema do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro entre 9 e 21 de janeiro, com uma mostra de curioso recorte temático (ainda mais quando realizada dentro de um prédio que já foi agência bancária): trata-se do Cinema de Assalto. Nesta, colocam-se lado a lado produções nacionais e estrangeiras, clássicas ou contemporâneas, deste subgênero específico do cinema policial. Vale ver de que forma ferramentas narrativas semelhantes ultrapassam as fronteiras geográficas e temporais e criam diálogos insuspeitos entre autores tão distintos quanto Rogério Sganzerla e Spike Lee, Roberto Farias e Samuel Fuller. É o tipo de mostra que ainda parece um pouco rara no Brasil (onde geralmente se busca um “grande tema”), mas que traz um certo ar parisiense de uma cinefilia alegre, do interesse de ver alguns filmes em conjunto sem precisar se preocupar tanto se aquela é uma mostra “definitiva” sobre alguma coisa. O Odeon BR, na sua curta fase cinemateca, fez um pouco isso no ano passado – pena que para uma sala na maior pare do tempo vazia. Seria genial se o Estação, que em 2007 promete uma razoável expansão de seu circuito carioca, reservasse uma sala um pouco menor do que o gigante da Cinelândia para uma programação deste tipo. Público há (e deve-se formar ainda mais), o desafio importante é fazer ele aparecer. (Eduardo Valente)

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