edição especial curtas brasileiros 2009
Introdução
por Eduardo Valente

Em nosso editorial deste mês, falamos do quanto o ano que passou foi pouco inspirador para Cinética na seara do cinema brasileiro. No entanto, esta frase (ou ainda esta sentença) só pode ser dita com alguma verdade se cometermos, quase por osmose ou por preguiça, o erro crasso de por “cinema brasileiro” entendermos tão somente aquele de longa-metragem que chega aos circuito comercial. Sim, porque fora deste entendimento tão estrito e redutor (e que, no entanto, não poucas vezes é considerado o único significado do termo), houve um cinema brasileiro que nos animou com frequência ao longo deste “ano cinematográfico de 2009” (cujo calendário geralmente começa um pouco antes, no Festival de Brasília de 2008, e se estende até a Mostra de Tiradentes de 2010): o de curta-metragem.

Se este calendário citado tem seus limites delineados por dois festivais de cinema, isso parece apenas natural, uma vez que, para os curtas, os festivais ainda são a principal vitrine, o principal (e muitas vezes único) momento de contato com o público, e com os outros realizadores e seus filmes. Mas é claro que o calendário de festivais no Brasil, até por ser tão extenso (e aqui não entraremos na discussão sobre se ele é extenso demais), não é uniforme. E talvez um espectador que descobrisse os curtas brasileiros do ano em certos eventos, não visse motivos para se animar. Afinal, também nos curtas há cinemas brasileiros bem diversos, e as seleções dos festivais neste formato tendem a expressar olhares bem radicalmente diferentes.

Mas por sorte, ao contrário do que acontece nos longas, já se pode falar hoje de um "núcleo duro" de festivais de curtas: eventos que trabalham bastante profundamente com o conceito de curadoria, e onde se pode ver e acompanhar a trajetória de filmes ignorados em eventos que se utilizam de comissões de seleção a quem não importa propor de fato um olhar de cinema. E talvez seja exatamente isso o que mais faz com que os curtas difiram hoje do panorama que vemos nos longas: estes espaços constantes de convivência pessoal e estética de criadores das mais variadas partes do país, que vai de Santa Maria da Feira, em Portugal, a Belo Horizonte, passando por várias outras paradas, têm levado a mais do que apenas uma série de “pequenas jóias individuais e intransferíveis”. Eles constroem um sentimento de constante inquietude, partilhada por um número considerável de realizadores que, muitas vezes, trabalham em conjunto, mesmo para além de suas fronteiras regionais, e assim dão ao que de mais interessante existe no curta brasileiro hoje um sentimento de geração que não chegamos nem perto de sentir nos longas (mas que, claro, já começa a resvalar nestes na medida em que as pessoas vão começando a realizar projetos de longa duração).

* * *

Foi justamente num momento do calendário que atualmente quase encavala três dos festivais que trabalham com curadorias mais incisivas (o Cine Esquema Novo, de Porto Alegre; a Janela Internacional de Cinema do Recife; e a Curta Cinema, no Rio de Janeiro) que pela primeira vez foi ventilado na redação da Cinética o desejo de se ater mais aos curtas do ano. Afinal, estes eram os filmes que seguidamente comentávamos e nos entusiasmavam no cinema nacional, mas que pouco encontravam espaço na revista. A idéia logo foi encampada por um número grande de redatores, os quais tiveram liberdade total para escolher os filmes sobre os quais escreveriam: importa que fossem filmes que significassem para eles não exatamente uma lista de “melhores”, mas sim que lhes desse a vontade de escrever sobre cinema, como a maioria dos longas em cartaz não estavam conseguindo. Trata-se, portanto, de uma pauta que deve toda a sua lógica ao tesão de cada um que se dispôs a colaborar com ela.

Assim sendo, nos parece mais que significativo que ao final deste longo trabalho, tenhamos formado esta pauta com 28 textos, de oito autores diferentes, que lidam com um total de 32 curtas, com origem em oito estados diferentes (e até em países no exterior). Cada um destes números, mais do que qualquer desejo de gigantismo, nos diz que o sentimento inicial da pauta fazia sentido: havia aqui uma safra que mexia consideravelmente com a revista. É importante ter em mente, porém, que não achamos que mesmo estes 32 textos dêem conta de tudo. Pois há uma série de outros filmes de curta-metragem que vimos ao longo do ano e nos moveram - sendo que sobre alguns deles chegamos a escrever em coberturas isoladas (caso, por exemplo, de Bailão, Chapa, Dias de Greve, Faço de Mim o que Quero, Filme de Sábado, Muro, N. 27, Pastoreio, Recife Frio).

Por isso, mais do que uma enciclopédia finalizante, que pretenda resumir o que foi o curta brasileiro entre dezembro de 2008 e janeiro de 2010 (e que vai se espalhar ao longo deste ano, já que vários deles acabaram de estrear), esta pauta se deseja uma carta de amor inclusiva e expansiva ao cinema do Brasil que ainda e cada vez mais nos tem interessado ver, comentar, escrever.
A ele, então.

Março de 2010

editoria@revistacinetica.com.br


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